domingo, 3 de agosto de 2014

Sem utilizar-se de armistício Tolstói escreve Guerra e Paz



Seria uma tremenda hipocrisia dizer que li a obra completa de Leon Tolstói, Guerra e Paz. Li sim, textos resumos, comentários diversos, opiniões questionáveis e uma longa entrevista com o escritor e tradutor Rubens Figueiredo, concedida por telefone, para Zelmar Guiotto, de Montpellier, France, em 17 de dezembro de 2011. Na qual, Figueiredo conta detalhes curiosos de sua dedicada atenção, como tradutor de Guerra e Paz, durante os 3 anos que levou para concluí-la. Explica de maneira simples, transmitindo invejável modéstia o seu lado profissional de escritor e tradutor. Traduzir Tolstói foi sua mais recente empreitada, para a editora Cosac Naify.

Quem tem o costume de ler clássicos de autores estrangeiros, certamente sabe, quando uma obra passa pelo olhar atento de Rubens Figueiredo, não se questiona qualidade de tradução e nem talento literário. É respeitado pelos vários trabalhos como tradutor de autores imortalizados por suas obras igualmente valorosas, tanto do inglês para o português, como do russo, idioma que domina desde a juventude.

Outro motivo que me inclinou a publicar sobre Guerra e Paz, é o seu valor histórico literário, notadamente pela relação entre o ambiente pitoresco da narrativa sobre as guerras napoleônicas do início do século XIX, com a ficção romanesca do autor e o comportamento literal volúvel e instável, dos seus personagens.

No entanto, torna-me impossível negar, que o texto escrito por Luiz Rebinski Junior, Ilíada de Tolstói, que você poderá conferir logo abaixo desta minha pretensiosa participação. Além é claro, da entrevista que também, está disponível com um simples clique aqui, sejam a constatação de que, tenho razão de não querer me silenciar diante desta oportunidade. Da mesma forma, poder premiar o leitor do Bússola Literária, a conhecer estas duas concepções interpretativas  de Leon Tolstói e sua extraordinária Guerra e Paz.

Entretanto, o que se pode constatar, é que, a narrativa de Tolstói, em Guerra e Paz, é recheada de conflitos pessoais entre os personagens. E, a guerra tão mencionada, entre franceses e russos, aparece como um simbólico pano de fundo, para justificar as atitudes de conquistas e ambições individuais, envolvendo interesses comuns da sociedade da época, sejam eles amorosos ou financeiros. E, o despreparo das tropas do Czar Alexandre I, para encarar a realidade ineficiente do seu exército, contra um inimigo acostumado a grandes lutas; preparado para enfrentar situações políticas e militares de forma profissional, sem qualquer rigor de escrúpulos.

Seria como se reparássemos as duas faces de uma moeda, num jogo de cara ou coroa. De um lado aparece a participação definitiva e providencial do proletariado, em especial a população campesina, responsável pelo trabalho duro nas suas pequenas propriedades, garantindo a produção de alimentos que os sustentariam, e ainda, ajudar a classe dominante, constituída de nobre e abastadas famílias de empresários, com os seus víveres.

Do outro lado, a necessidade – mesmo sob forte lamento –, desses menos afortunados, abdicar-se de suas plantações e, pagar a duras penas com os seus ideais patrióticos, destruindo seus celeiros de alimentos, abatendo os seus animais domésticos, participando diretamente dos combates e, por fim, promovendo o caos pela falta de suprimentos alimentares, com os quais, manteriam o exército inimigo no seu pleno vigor físico.

Destituídos desses proventos os franceses, são obrigados a se retirarem, tendo pela frente, um torrencial chuvoso atípico do outono russo, que impede o exército de Napoleão seguir seu curso de retirada, obrigando-o a retroceder, quando é obrigado e enfrentar a implacável superioridade de combate russa.

Outro infortúnio também se fez presente. Além das elevadas baixas inimigas e o número alto de soldados presos de guerra, o exército inimigo, ainda teve que encarar o rigoroso inverno, com baixíssimas temperaturas, provocando uma sensação desesperadora: enfrentar o frio que cortava feito navalha, a falta de agasalhos, de alimentos e submeter-se a impiedosas doenças.



A Ilíada de Tolstói
Por Luiz Rebinski Junior



Em se tratando de Leon Tolstói, tudo parece ser superlativo. E isso vai muito além da extensão dos romances que o autor russo escreveu ao longo dos seus 82 anos. A isto se inclui, é claro, seu mais célebre livro, “Guerra de Paz”, que discute uma gama imensa de assuntos, não apenas relacionados à Rússia do século XIX, mas de grande parte da Europa. É uma obra monumental em todos os aspectos, inclusive no que se refere ao seu percurso editorial.

A grosso modo, o livro trata do confronto das forças do czar russo Alexandre I com os exércitos napoleônicos em um período que vai, aproximadamente, de 1805 a 1820. Para além das batalhas, Toltói apresenta um amplo painel da vida russa do início do século XIX, construído a partir de uma galeria imensa de personagens, de todas as classes sociais. Além disso, ao tratar de fatos históricos, o autor inevitavelmente constrói sua ficção baseado em figuras públicas de seu tempo, com especial destaque para Napoleão Bonaparte, a personalidade mais controversa da época.

Quando começou a escrever “Guerra e Paz”, Tosltói já era um escritor conhecido e homem maduro. Havia entrado nos cursos de direito e letras orientais na Universidade de Kazan, servido na guarnição do Cáucaso – onde escreveu o livro “Infância” –, além de ter participado da Guerra da Crimeia.

Publicado inicialmente em fascículos na revista Mensageiro Russo. O título do livro, Guerra e Paz, primeiramente se chamou 1805, em uma referência ao período em que se inicia a narrativa. “Mas o livro se tornou muito mais abrangente do que o autor havia previsto e o título 1805 se revelou inevitavelmente redutor”, diz Rubens Figueiredo, tradutor da mais recente edição brasileira do romance, com 2.500 páginas, distribuídas em dois volumes. O título que ficaria mundialmente famoso teria sido inspirado em um livro do anarquista francês Pierre Proudhon, “La guerre ET La pax.”

Persuadido pela mulher Sofia, Tolstói resolveu interromper a publicação em forma de folhetim na revista mensal e a começar a publicá-lo, volume por volume, em formato de livro. “Além do mais, diferentemente de outros textos de autores russos igualmente publicados em forma de folhetim, Guerra e Paz não se adaptava bem a uma publicação em série. Seu alcance era muito grandioso. Não havia nenhum “gancho” no fim de cada fascículo que induzisse o leitor a comprar o próximo número para ver como as coisas se desenvolviam”, escreve William L. Shirer, em Amor e Ódio, que narra a relação entre Tolstói e a mulher Sofia.

Copidesque – A mulher de Tolstói também teria um papel fundamental em tarefas mais prosaicas, como passar a limpo o que o marido produzia diariamente. Ao que tudo indica, ninguém mais em Iasnaia Poliana, a propriedade rural onde o escritor se isolou para escrever sua obra, conseguia decifrar a caligrafia de Tolstói.

Segundo biógrafo William L. Shirer, Sofia havia copiado o romance sete vezes. O tamanho da obra também representou um problema para o editor de Tolstói, P. I. Barteniev. “Só Deus sabe o que o senhor está fazendo”, escreveu o editor. “Se continuar assim, vamos recompor e corrigir eternamente. Qualquer um pode lhe dizer que metade das mudanças que o senhor faz são desnecessárias. No entanto, elas causam uma diferença apreciável nos custos da composição tipográfica. Eu pedi ao tipógrafo que lhe mande uma conta separada, só das correções. Pelo amor de Deus, pare de rabiscar.”

Escrito ao longo de cinco anos, a partir de 1865, Guerra e Paz, foi lançado em 1869, em seis volumes. O próprio Tolstói adiantou 4.500 rublos ao tipógrafo. Como se revelaria mais tarde, a primeira edição do livro, cujos seis volumes eram vendidos por oito rublos, traria ao autor uma pequena fortuna.

Tornando-se um clássico – A repercussão do livro foi imediata. A literatura russa do século XIX         estava entranhada na sociedade e os livros eram recebidos sempre com muita polêmica. “Os leitores pertenciam, sobretudo, à classe alta. Mas naquela altura a sociedade russa se transformava de maneira rápida e profunda. Uma camada numerosa da população, oriunda de famílias de comerciantes e de funcionários de baixo e médio escalão, começava a ter acesso à educação”, diz Figueiredo.

Diferente do padrão “europeu” de romance da época, Guerra e Paz, mesclava relatos da história recente da Rússia a uma base ficcional bastante engenhosa, que dava conta de centenas de personagens. A própria mulher de Tolstói antevia que o trabalho do marido continha grande singularidade. “Em minha opinião, o romance Guerra e Paz, será algo extremamente fora do usual”, escreve Sofia à irmã em 1867, enquanto corrigia os originais do marido.


O próprio Tolstói se negava a qualificar o livro, dizendo que não se tratava “nem de um romance, nem de poema, nem sequer de crônica histórica”. E comparou, sem falsa modéstia, seu trabalho a Ilíada, de Homero.


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Imagens: Google