quinta-feira, 21 de agosto de 2014

O garoto que o seu primeiro grande amor foi a leitura


Principiava-se do mês de junho, o ano, este. Porém, uma parte da história de mútua convivência entre Luis Gustavo e Maria Rita, teve o seu início no ano passado. Os alunos do Colégio Estadual de São Luís de Montes Belos, pequena cidade do estado de Goiás, no Brasil, com população de pouco mais de 32 mil habitantes, estavam todos se preparando para as provas, que concluiriam o primeiro semestre eletivo. Luis Gustavo estava entre esses alunos. Embora com um saldo de notas positivo, ainda assim, teria que se submeter ao calendário escolar, também participaria das provas. Portanto, estava em parte, focado nas suas obrigações escolares.

O histórico de comportamento de Luis Gustavo em sua casa, não se encontrava tão bem, como no colégio. Estava em baixa com o seu pai, Fernando de Paula. Tudo porque, há um ano e meio, mais precisamente, dezembro, próximo ao Natal, ele havia conhecido uma garota da sua idade, 16 anos, que o havia seduzido para o universo da leitura. Maria Rita desde pequena tinha o hábito de ler. Lia livro, um após o outro, de maneira incansável. Muitas vezes Luis Gustavo, se sentiu perdido, fora de sintonia, diante do vasto conhecimento da nova amiga. Precisava encontrar uma maneira de estar pelo menos, mais próximo da conexão com o seu mundo intocável, das histórias contadas nos livros. Lógico que, também estava tendo uma queda por ela. Isto requeria dele, passar a dedicar-se de corpo e alma, aquele universo antes não experimentado.

Os seus amigos, como ele, não curtiam a leitura, estavam mais linkados ao instagram, watsApp, selfie, facebook e outra redes sociais da internet. Uma área que Maria Rita desprezava. Isto não significava que ela estava mais próxima do comportamento nerd. Acontece que sua visão sobre temas banais, não correspondia com o seu apetite por leitura. Cumpria com dedicação suas obrigações escolares, sempre com notas altas no currículo. Entretanto, a atmosfera que respirava, encontrava-se, a grande distância das pessoas consideradas normais, comum entre os colegas do colégio. Os dois estudavam na mesma escola, embora em turma e ano diferentes.

Maria Rita aprendeu desde cedo que viajar através de uma boa história, conhecer novos personagens, novos lugares, novos hábitos, novos costumes, próprios das ambientações literárias, eram mais interessantes. Além de enriquecer seus conhecimentos, a mantinha mais preparada para o vestibular, o ENEM, suas metas para breve. Pretendia se formar em Relações Internacionais e, no futuro, se tornar uma diplomata, pronta para representar o Brasil em alguma parte do mundo. Para tanto, dedicava tempo integral a pesquisas, cursos de idiomas e em literatura, independente de que país fosse o autor.

Atraído pelo fascínio e a inteligência de Maria Rita, Luis Gustavo procurou uma maneira de se aproximar de sua deusa da sabedoria. Não foi fácil, já que Maria Rita era muito seletiva com as suas amizades, ainda mais, em se tratando de um garoto tão jovem, como era o caso de Luis Gustavo. Geralmente garotas na sua faixa etária, preferem os jovens mais experientes, mais vividos, mais preparados para desenvolver um assunto mais proveitoso. Mesmo tendo que enfrentar algumas objeções, não se deu por vencido, até que, numa discussão sobre determinado livro, Luis Gustavo se sobressaiu, conquistando a atenção da sua pretendida. 

A partir de então, sempre que sobrava uma brecha, lá estava Luis Gustavo, procurando conversar do Maria Rita, seja para se informar dos assuntos do colégio ou de um livro que estivesse lendo. Com o passar dos dias a convivência foi se estreitando entre eles. Percebeu que teria que dar outro passo à frente e, o melhor a fazer seria começar a se interessar pela leitura. Sua iniciação foi na biblioteca do próprio colégio, com a ajuda da sua professora de literatura e gramática. Depois passou a ler os livros que Maria Rita o emprestava.

Daí, para os encontros com fins exclusivos de discutirem o conteúdo de um livro que acabara de ler, foi mais uma conquista alcançada. Naturalmente, o livro em questão, pertencia ao acervo da garota. Passaram a ter encontros semanais na sorveteria da cidade, onde discutiam suas impressões sobre o tema lido. Já havia lido quase todos os livros da amiga. Por outro lado, precisava demonstrar que também tinha interesse de ter o seu próprio acervo, de preferência com livros que não constavam entre os de Maria Rita. Estava se sentindo minimizado com a situação em que se encontrava.

Achou por bem, recorrer à mãe que era professora. Vera, sua mãe, vendo o interesse do filho pela leitura, e os avanços de informações adquiridos, resolveu que deveria contribuir, arranjando títulos com enfoques diferenciados. Evidente, que sua mãe, tinha suas preferências, contudo, achava que o melhor para Luis Gustavo naquele momento, seria livros próprios da idade. O primeiro livro que colocou em suas mãos para ler, foi O Diário de Dany, de Michel Quoist. Ela já havia lido O Diário de Ana Maria, do mesmo autor, por recomendação da própria mãe. Então, achou que o melhor caminho seria o mesmo: livros dirigidos a adolescentes.

Luis Gustavo ficou de boca aberta com a escolha da mãe. Seus conhecimentos estavam muito além daquela fatídica idade. Havia lido clássicos da literatura brasileira, inclusive alguns com alusões picantes de relacionamentos, comuns nos textos de Jorge Amado. Portanto, O Diário de Dany, parecia até uma afronta aos seus conhecimentos e preferências de leitura. Resolveu abrir o jogo, falar abertamente com a mãe.

- Mãe, parece que a senhora parou no tempo. Estamos no século XXI, à década de 50 ficou há muito tempo para trás.

- Hoje existe a internet, os jovens sabem mais coisas que até os pais duvidam.

- Agradeço sua boa vontade, mas estou em busca de literatura pura, isto não significa que os livros contemporâneos, comuns entre os jovens, como a saga Crepúsculo, Harry Potter, O Senhor dos Aneis, os quais, já li todos.

- Noites de Alface, Dragões do Éden, Divórcio, Quiçá, Filhos do Éden, Sal, Cinquenta tons de cinza, A cabana, A hora é das estrelas, A última música, Escrito nas estrelas, O lado bom da vida, e tantos outros, também já os li.

- Quero ler livros que proporcione uma boa discussão, debates, com conteúdo envolvente.

 - Não que os autores menos destacados na opinião dos jovens e das pessoas que leem, sejam de péssimo gosto. Mas quero ler autores que me estimule; que me motive a continuar lendo, sempre lendo. A senhora está me entendendo?

A professora Vera, o olhou desentendida. Demorou a cair à ficha. Mas compreendeu que, de fato, estavam vivendo uma época totalmente diferente da sua (anos 80), precisava mais que depressa se adequar aos avanços, tanto tecnológicos, quanto dos novos conceitos do comportamento dos jovens atuais. Ela tinha pleno conhecimento dessas mudanças, afinal era professora e convivia diariamente com alunos da idade do filho, até menos. Todos conheciam muito bem os assuntos relativos à sexualidade, inclusive, sobre a prática sexual que os jovens já vinham utilizando no seu cotidiano. Até as telenovelas e o telejornalismo, haviam evoluído quanto aos seus assuntos temáticos. Atualmente, vinham propondo na sua órbita de informações, as questões que envolvem tabus e preconceitos; promover a tolerância entre as desigualdades; discutir a homofobia e o bullying nas escolas e no meio social num todo. Pegou o telefone e ligou em seguida para uma amiga que reside em Goiânia, capital do estado.

- Marina, sou eu, Vera.

- Eu sei, reconheci sua voz. Está tudo bem com você? – Quis saber Marina.

- Está tudo bem, só estou precisando de um favor seu. – Respondeu Vera.

- O meu filho me pediu algumas sugestões de livros pra ele ler, como estou um pouco por fora sobre o que está mais em evidência na literatura. Sendo você, uma pessoa que gosta de ler, achei que poderia me ajudar, nesse assunto. – Esclareceu Vera.

- Não tem problema. Diga-me apenas sobre que estilo de leitura o Luis Gustavo mais gosta? – interessou-se Marina.

- Estivemos conversando, pelo que pude notar, ele não está diferente de qualquer outro jovem da sua idade, e, até os mais velhos, bem mais velhos, está me entendendo?

- Gosta dos livros que estão sendo comentados entre as pessoas que leem com frequência. Não tenho uma receita para facilitar o seu entendimento, mas sei que está me entendendo, pelo menos é o que espero. – Tentou explicar.

- Você ainda continua a frequentar os sebos, comprando livros usados interessantes? – Indagou Vera.

- Sim, é claro. Não existem lugares melhores para comprar bons livros, por custos bem mais em conta. Principalmente quando nos preocupamos com a época da edição.

- Como se trata de livros usados, torna-se uma bela maneira de ficarmos mais próximos dos originais. Deixa eu te explicar melhor: quanto mais antigas forem as edições, mais próximas nós nos tornamos dos originais.

- Além desses livros, já terem proporcionado momentos super prazerosos pelo seu conteúdo a outras pessoas – Esclareceu sua interpretação, sobre o valor dos livros usados.

- Está interessada em algum livro em específico? – Respondeu Marinha.

- Não, não é isto. Vou te enviar um valor em sua conta bancária e, você pode comprar o que for possível com a quantia que estarei te enviando. Pode fazer isto, por mim? – Solicitou Vera.

- Claro, tenho vários livros aqui em casa, posso enviar alguns ainda hoje. Você se encarrega da postagem. Fica bom pra você? – Prontificou Marinha.

- Não se preocupe, eu cuido de retirá-los nos Correios, mas vai pensando em outros. O Luis Gustavo, pelo que pude perceber, está constantemente lendo livros de uma amiga do colégio. Não está se sentindo bem ter que estar dependendo da amiga, com os seus livros.

- Também deseja ter os seus próprios. Lógico, para também poder compartilhá-los com sua amiga de leitura. E assim, estarão fazendo o que mais gostam, trocando conhecimentos e livros. Não acha bem bacana? – Emendou Vera.

- Isto é fantástico! Quando era mais nova, na minha adolescência, eu e duas amigas, fazíamos o mesmo. Infelizmente hoje, isto não esteja mais acontecendo.

- Uma se casou e mudou para o interior, a outra foi morar em Brasília, virou funcionária do governo. – Respondeu Marina com tom menos empolgante, mas feliz.

- Logo irei visitá-los. Diga ao Luis Gustavo, que quero trocar boas ideias e experiências, que já experimentei, e, se possível, acrescentar alguns aditivos nesta sua fantástica fase de buscar na leitura, sua perfeita formação como ser humano. Estou encantada! – Disse Marina.  

- Isto é muito bom. Parece que os dois, estão formando um interessante casal de amigos, preocupados com a leitura. – Acrescentou Vera.

- Estou gostando da ideia. Os livros que Luis Gustavo leu, são quase todos da amiga. Acho justo que ele também tenha os seus próprios livros. – Repetiu, enfatizando Vera.

- Ah! Antes que me esqueço, o nome da amiga é Maria Rita, tem a mesma idade. Não é formidável, esta sintonia etária? – Disse Vera.

- Tenho pelo menos uns dez livros, que posso te enviar. E, não faz muito tempo que os li. São ótimos e muito comentados, inclusive na internet. – Ressaltou Marina.

- Tenho certeza que o Luis Gustavo vai adorar. Isto se ele já não os tiver lido. Você mesma disse que ele se despertou para a leitura. Como são livros que estão nas rodas de comentários dos leitores, possivelmente já os tenha lido, mas irei te enviar daqui a pouco, antes que a agência dos Correios feche. – Esclareceu Marinha.

- Obrigado amiga, vou ficar ansiosa aguardando os livros. Assim que for retirá-los na agência, vou aproveitar e te enviar o dinheiro, para que possa comprar outros. Enquanto isto, vou continuar conversando com o Luis Gustavo, quem sabe, aparece alguma novidade, né? – Disse Vera.

- Então está bem, farei isto com muito prazer. Beijo carinhoso no Luis Gustavo e, outro pra você minha amiga. – Despediu-se Marina.

Marina cumpriu o prometido enviando os livros. Em questão de semana enviou os outros, que comprara com o dinheiro que Vera havia depositado. Vieram às provas do colégio, em seguida o período de férias anual. Todo esse tempo foi diluído em leitura. Os habituais encontros na sorveteria continuaram. E mais e mais, títulos foram lidos. Chegava a parecer uma competição, até mesmo uma doença, uma obsessão. Daí surgiu outra preocupação para Vera e Fernando de Paula, seus pais.

Em menos de um ano, os dois amigos, já não sabiam ao certo quantos livros haviam lido. No quarto de ambos, podia se deparar com pilhas de livros. Chegou ao ponto que não estavam mais lendo, mas sim, devorando-os. Luis Gustavo esquecia-se das próprias refeições diárias; esquecia de tomar banho; pouco saía para encontrar os amigos. Quando não estava no colégio cumprindo sua rotina de estudante, ou conversando com Maria Rita, estava em seu quarto lendo. Até a economia financeira que mantinha na poupança para comprar sua tão desejada moto, uma parte do dinheiro, tinha sido utilizado na compra de livros, vídeos e e-books. Comprou também, outro computador mais avançado, com memória de se respeitar.

Nesse ínterim, Fernando de Paula estava preocupado com o que presenciava. Porém, sempre que ficava nervoso com as atitudes do filho. As quais, pouco compreendia, na maioria das vezes, encontrava na mãe sua protetora. Com argumentos bem conduzidos, conseguia melhorar os ânimos domésticos, evitando atritos entre pai e filho. Mas eis que chegou o dia, que o pai, não deu conta de segurar a onda. Totalmente possuído por uma raiva incontida, invadiu o quarto do filho, tomou de suas mãos o livro que estava lendo, e o rasgou em vários pedaços, aos gritos. Utilizando-se de palavras desagradáveis até de serem pronunciadas. Luis Gustavo, atônito com a situação, desentendido pela ação inesperada do pai, ficou parado, estupefato, desacreditando no estava acontecendo.

Quando o pai se retirou do seu quarto, ainda furioso, possesso, Luis Gustavo, juntou os pedaços do livro e foi montando-os como se fosse um quebra-cabeça, pedacinho por pedacinho. Mal sabia o pai, que naquele momento o filho estava justamente estudando para a prova de história, que seria no dia seguinte, sobre o Império Bizantino. Sua última prova para o término do semestre.

Enquanto montava os pedacinhos do seu livro, com lágrimas no rosto, aconteceu o inusitado. Luis Gustavo foi se transcendendo como se estivesse entrando numa viagem no tempo, sendo transportado, numa retração cósmica, de forma inesperada, para um lugar que ele jamais imaginaria estar. Totalmente fora de órbita, encontra-se deitado em posição uterina meio inconsciente e atordoado, sob o sol forte de uma manhã qualquer. Nada à sua volta parecia com o pacato dia a dia da sua cidade natal. Estava vestido apenas de bermuda e camiseta, do mesmo jeito em que se encontrava na sua casa. Aos poucos foi recobrando os sentidos, quando pode constatar a real situação em que se metera.

Por sorte ou cumplicidade do destino, divisou a algumas dezenas de metros, uma suntuosa edificação. Pelos seus minaretes que se elevavam imponentes na retidão dos céus, constatou tratar-se de uma extraordinária igreja ou mesquita. Mas como? Como pode ser? Onde poderia estar? O que estava acontecendo, estaria pirando de vez? Sua cabeça girou num amontoado de indagações.

Precisou de alguns minutos, para que o seu raciocínio começasse a decifrar aquela visão. Ao notar a altura das janelas, com formato ovalado na sua extremidade superior; suas vidraças decoradas com afrescos em forma de mosaicos, retratando figuras que se aproximavam de entidades religiosas e, mais outros detalhes que conseguira captar, num estalo de percepção, notou que não se tratava de algo estranho. Impossível sim, mas estranho não.

Aquela construção quase pronta, que estava à sua frente, era semelhante à foto que espelhava a página do seu livro de história, que estava estudando. Os seus olhos continuaram capturando as imagens sob vários ângulos, quando pode perceber mais detidamente, todo aquele esplendor arquitetônico. Admirado, permaneceu por algumas frações de segundos, pensativo. Como um flash fotográfico, percebeu a existência de uma enorme cúpula, qual nada mais era, do que, um dos domos da Igreja da Sagrada Sabedoria ou Hagia Sophia, mais conhecida nos livros de história, como Basílica de Santa Sofia.

Rapidamente ele deduziu que estava no ano, entre 532 e 537 d.C., quando fora construída. Provavelmente se encontrava em 536, já que a obra ainda não estava totalmente concluída, pela presença de várias pessoas trabalhando nos acabamentos externos.

Pensou: - “Uaaaaauuuuuu! Estou em pleno Império Bizantino, o segundo mais longo império do mundo antigo, 11 séculos de existência, atrás apenas do Império Egípcio, que começou por meio da unificação do Baixo e Alto Egito (Norte e Sul) pelo primeiro faraó Menés, antes dominados pelos clãs dos nomos, por volta de 3.100 a.C até 30 d.C., findando, com a queda da rainha Cleópata, pelo exército romano. O Império Romano foi o terceiro mais longo império, com duração de 5 séculos.”

- “Isto que estou presenciando é o máximo, é extraordinário! De repente a preocupação se manifestou. Mas como vou sair dessa enrascada em que me meti e retornar para o meu tempo? Será que estou castigado a viver o resto da minha vida aqui? E o que já estudei, sabendo que este é apenas o período do quinto governante do império, o imperador Justiniano? E as grandes conquistas, as invasões mal sucedidas, principalmente às várias tentativas feitas pelo bárbaro Átila, rei dos Unos? É necessário, é imperativo, que eu me mantenha calado. Posso ser considerado um bruxo. E as consequências só Deus saberia.” – Pensou Luis Gustavo, analisando sua real situação e complicações, consequências do imbróglio do tempo.

- “E se eu cometer um vacilo mental e mencionar que o fim do Império Romano no Oriente, foi causado pela invasão do Império Otomano, comandado pelo sultão Maomé II em 1.453. E hoje, Constantinopla é a mais importante e desenvolvida cidade turca, Istambul? Nossa! Nem quero estar na minha pele, nesse momento. Serei morto de forma desumana. Tenho que me conter. Ainda bem, que não compreendem o meu idioma. Mesmo assim, estou numa enrascada das grandes. O melhor é cerrar a boca, engolir a língua e tentar ser o mais ignorante possível.” – Continuou vagando nos seus pensamentos. 

As condições em que Luis Gustavo se encontrava, não eram nada satisfatórias a seu favor. Como foi que viera parar justamente em Constantinopla, capital do Império Bizantino, justamente a matéria que estava estudando para a prova de história? Ainda mais, em pleno domínio do imperador Justiniano e sua esposa Teodora. Uma imperatriz, que embora de origem humilde e, ter pertencido uma classe social, onde muitas mulheres por opções econômicas de sobrevivência praticavam atividades pouco recomendadas, sob o ponto de vista da igreja.

No seu caso, vinha de um passado que a maculava, por ter sido bailarina nos circos teatrais e prostituta requintada. Ainda assim, se tornou a esposa de um volto da grandeza de Justiniano. No entanto, como era detentora de indomável astúcia e vivacidade, exercia forte influência sobre o imperador, com suas atitudes austeras e arrogantes. Sem meias medidas, sabia perfeitamente o momento oportuno para utilizar-se da sua notável inteligência, que a permitia dominar com decisões resistentes, assuntos relacionados à política e a religião.

Reconhecida por esses atributos, a diferenciava de qualquer outra mulher com o seu status de soberana. Sendo, inclusive, a responsável direta, na decisão do marido, de contra-atacar uma iminente revolta interna, causada pela absurda prática esportiva, das corridas de bigas e seus velozes animais, onde as cores representativas de cada equipe ou agremiação competidora, havia se tornado poderosas representações políticas, motivo pelo qual, poderia causar até a queda do imperador.

Diante dos fatos, sem perda de tempo, Teodora influente e destemida, forçou Justiniano a reunir com urgência o exército, sob o comando do general Belisário e, por meio de um brilhante artifício, conseguiu encurralar dentro do hipódromo, utilizando-se de um engodo estratégico de promover uma discussão em torno das propostas, foi o bastante para colocar em prática uma ardilosa arapuca, que resultou na morte de mais 30.000 pessoas, por meio de métodos de verdadeiro barbarismo. Registrada como a impiedosa e famosa Revolta de Nika.

Enquanto recapitulava seus estudos sobre o Império Bizantino, não notou que uma jovem caminhava em sua direção, envolvida pela curiosidade. Era Mayritsha, acompanhada de três amas de companhia e quatro guardiões. Sua idade seria difícil precisar, mas se aproximava dos 18 anos. Linda de olhos grandes e negros, cabelos igualmente negros, presos por fivelas douradas e enrolados feito um coque. Usava uma estola de seda colorida, predominando o vermelho, com um longo corte nas laterais, para facilitar o movimento das pernas. Uma faixa em tecido vermelho a cercava na cintura, com duas tiras soltas até atingir os sapatos, também de seda, adornados com pedrarias. A cabeça estava coberta apenas por um longo lenço branco, com franjas alaranjadas, brincos e vários colares no pescoço.

Na época, as principais gemas eram a pérola e a safira, mas, havia outras sugestões semipreciosas de magnífica beleza e brilho.  Não estava sendo transportada numa liteira, ao estilo romano. Um tipo de andor fechado, em sinal de respeito e privacidade, conduzido por escravos. Mas sim, a pé, esbelta e elegante como uma deusa. A primeira impressão que se dava, tratava-se de uma filha da aristocracia soberana, possivelmente de um político influente ou da nobreza que resistia ao tempo.

Não fazia muito tempo que Mayritsha havia passado pelo local, e não tinha notado a presença de qualquer pessoa deitada daquela maneira, e muito menos, vestida como estava Luis Gustavo. Quando a percebeu caminhando em sua direção, reparou nos seus passos rápidos, constatou que algo nada satisfatório estaria próximo a acontecer. Olhou para si, comprovou e reprovou suas vestes, em seguida apenas sentou-se, ainda no chão e, ficou aguardando a garota se aproximar e se manifestar, seguida pelos seus séquitos. Toda aquela aparência cheia de cores e brilhos, não deixou de chamar sua atenção, contudo, manteve-se quieto e indefeso no seu modesto espaço.

Quando se encontravam frente a frente, ela o olhou atentamente, dos pés a cabeça, sem formular qualquer parecer. Estava muda, apenas analisando que tipo de pessoa estaria naquelas condições, vestindo-se com pouca roupa e descalça. Seria um escravo? Ainda que, sua aparência denunciasse ser de alguma estirpe social sem muito atrativo econômico, escravo ela tinha certeza que não o era. Sua tese fina e clara, diferente de qualquer outro nativo em todo o oriente, impedia qualquer julgamento precipitado. Sua análise não demorou muito tempo, todavia, não conseguira uma definição lógica para aquela insólita figura.

Pronunciou uma série de palavras incompreensíveis para Luis Gustavo, que na sua condição de inferioridade e de estranho estrangeiro, o denunciaria, portanto, não restava outra coisa, senão ouvi-la. Percebeu que alguma coisa se relacionava com sua maneira de vestir, e os cabelos claros – não chegavam a ser loiros – e encaracolados. Ele por sua ver, fez uma análise fotográfica por todo o corpo de Mayritsha. Só com uma diferença, ele estava convicto que o mundo em que se encontrava não era o seu, tanto pela maneira das pessoas se vestirem-se e o idioma nunca ouvido antes, quanto pela paisagem arquitetônica que tinha diante dos olhos.

As coisas aconteciam muito rápido. As frações iam se juntando, mas nada que os ajudassem a se entenderem. Inesperadamente, Mayritsha fez um gesto com as mãos. Pelo seu entender não era diferente dos que ele e os amigos usavam no convívio de sua cidade São Luís. Ela estava convidando-o a segui-la, pensou. Meio embasbacado, continuou sentado, sem mover até com os olhos. Novamente ela o acenou com o mesmo gesto e disse alguma coisa incompreendida.

Para ele, só restava atendê-la, submisso e sem ação. Falar o quê? Como ele não a entendia, porque haveria ela de entendê-lo? Os dois caminharam por várias ruas. Ela sempre à sua frente, conversando feito um papagaio machucado, mais atrás seguia os seus servos leais. Suas palavras eram pronunciadas tão rápido que parecia não existir pontuação. Era um assunto linear e constante. Quanto a ele, cabia apenas ouvi-la. Entendê-la que seria o ideal, estava fora de cogitação, simplesmente impossível.

Enfim, chegaram a uma construção, tudo indicava ser uma residência. Ela o olhou e com um gesto de mão pediu que esperasse se mantivesse parado, os protetores que a acompanhavam fizeram o mesmo. Permaneceram estáticos, feito estátuas, num verdadeiro comportamento de submissão. Em seguida ela fez algumas batidas na porta, a qual, logo se abriu. Do outro lado um senhor com idade aparentemente de uns 60 anos, barba não muito longa, porém, grisalha, vestido em uma branca túnica de linho, com uma faixa larga de tecido no mesmo tom, duas tiras que desciam sobre a coxa até as sandálias. O detalhe que mais chamou sua atenção foi uma enorme joia que se assemelhava a um broche, que prendia ou adornava as duas tiras pendentes, do seu vestuário.

Conversaram por alguns minutos, em seguida convidou-o a se aproximar e adentraram por aquela porta. No interior da casa, vários instrumentos estavam expostos sobre bancadas de madeiras. Caminharam alguns metros até alcançarem uma sala ampla contendo alguns bancos com os assentos acolchoados. O senhor os convidou a se sentarem.

Novamente o anfitrião iniciou uma série de palavreados desconhecidos por Luis Gustavo. Sem perceber, quem sabe por uma intuição salvadora, enfiou a mão em um dos bolsos da bermuda, encontrou vários pedaços das folhas rasgadas do livro. Eram resquícios da atitude impensada do seu pai, naquele angustiante momento de fúria, e os entregou ao senhor. Este olhou com cuidado cada pedaço, juntando-os, como quem estaria naquele momento, fazendo uma cirurgia num paciente em estado grave. O senhor, pelas deduções que Luis Gustavo haviam formalizadas, pelas vestes e o respeito depositado à sua pessoa, nas atitudes da nobre senhorinha, poderia ser um mestre, sacerdote ou até mesmo um intelectual de grande conhecimento.

O cuidado que o senhor mantinha, ao manusear os fragmentos dos papeis rasgados do seu livro de história, o deixava perplexo. Parecia que aquele homem idoso, estava diante de algo sobrenatural. Acontece que Luis Gustavo envolvido naquele clima de incertezas e incompreensão, não percebeu que nos retalhos da página, havia uma foto ilustrativa, com a imagem da Basílica Santa Sofia, totalmente pronta, cercada de plantas ornamentais e uma linda fonte jorrando água. Resumindo, era uma foto, mostrando como a Basílica se encontra nos dias atuais. Sem contar o brilho da cúpula ou domos, refletidos pelos raios do sol, no momento do clique do fotógrafo.

De posse de um pedaço de vidro, que mais parecia uma lupa, o velho curioso, passou a se interessar pelo texto, não conseguindo decifrá-lo a primeira vista. No entanto, o texto continha algumas palavras que muito se assemelhavam a alguns termos do latim e do próprio grego, que ele conhecia e o intrigava pela falta de ligação legível dos seus conhecimentos, entre uma expressão e outra. Contudo, pelo sorriso maroto do velho, Luis Gustavo sentiu-se mais aliviado. Não sabia o porquê, mas o velho conhecia o latim, que era a base do idioma falado e escrito pelos romanos, e, o grego, que fazia parte de suas origens familiares. Justamente os dois idiomas que deram origem a formação e o sentido às palavras do nosso idioma.

Como a língua portuguesa tem tudo a ver, na sua estrutura gramatical e ortográfica, com o grego e o latim, não foi difícil para aquele obstinado senhor, entender parte do conteúdo constado nos pequenos retalhos da página. Isto se deveu ao fato do Império Bizantino ser uma extensão do Império Romano no Oriente e Constantinopla a capital do império. Além é claro, serem inimigos declarados dos povos helenos, herança da civilização grega.

Pela foto da Basílica Santa Sofia, ainda que incompleta, devido ao corte provocado pelo rasgo no papel, mais os textos igualmente incompletos, deduziu que se tratava de um idioma, que um pouco de pesquisa, poderia ser decifrado. O senhor se retirou levando consigo, os pedaços da página do livro, ficando os dois jovens sentados, apenas aguardando a possível novidade: a decifração dos textos incompletos.  

Luis Gustavo, compreendendo que o velho senhor de característica erudita, ao se retornar, trazia nas mãos um tipo de carvão, semelhante a um grafite, desse que utilizamos nos lápis, e uma folha de papel – não se tratava do papiro que é feito a partir do miolo de uma planta, cujo o qual, exige muito trabalho na sua confecção – com textura crespa e a espessura semelhante ao que se faz no Brasil e em quase todos os países do mundo. Quando se utiliza o papel reciclável, para a fabricação dos papeis artesanais, em que, restos de papeis inúteis são transformados em pequenos pedacinhos, em seguida, dissolvidos na água, até que se tornem uma pasta, para depois, ser distribuída de forma homogênea, numa forma. Após espalhada é colocada para secar, se transforma em um novo papel pronto para ser utilizado. Ultimamente, é muito usado na confecção de convites e outras destinações afins.

Com muito cuidado para que sua caligrafia fosse bem entendida, Luis Gustavo, escreveu o seu nome, o nome dos seus pais, de onde era, data de nascimento, esclarecendo ano e século, e outras informações que entendia serem complementares para melhor identificação dos usos, costumes e crenças religiosas do seu mundo real. Uma vez concluída suas informações, as entregou ao velho sábio, que pegou a folha de papel com o carinho de quem estava de posse de uma preciosidade inigualável. Enrolou o papel, tornou a enrolá-lo, protegido por outra folha, formando uma camada protetora. Para ele o valor daquelas anotações era inestimável. Agradeceu com um amigável sorriso e voltou a se retirar. Provavelmente, iria guardá-lo como se fosse um tesouro intocável, para depois esmiuçá-lo, até alcançar a elucidação de sua curiosidade, com total dedicação e prazer.

Naquele restante de dia, Luis Gustavo permaneceu e dormiu na residência do senhor que o recebera. O anfitrião sexagenário, como forma de retribuir a atenção de Luis Gustavo, também anotou em outro papel o seu nome, apenas o seu nome, Faustus Notrienda Papalauka. Pelo que conseguiu ler, deduziu ser o nome de origem greco romana, embora fosse um autêntico filho da cidade.

No outro dia bem cedo retornou Mayritsha ainda mais linda. Quando o passageiro do tempo pode notar que sua aparência, haviam muitos detalhes que a tornava parecidíssima com Maria Rita, sentiu-se tentado. Este foi o momento onde a felicidade tomou conta do cenário, a luzes acenderam, as cortinas se abriram e, os aplausos ecoaram. Seriam as enigmáticas brincadeiras do destino? Seja o que for, aquela visão fascinante, não poderia ser traduzida de outro modo, senão como sendo, o presente perfeito, numa ocasião de magnífico esplendor. Seu olhar de incredulidade, não deixou de denunciá-lo, mas soube disfarçar com um cordial sorriso. Mayritsha se curvou levemente diante de Faustus, em sinal de respeito, em seguida acenou de maneira elegante, para Luis Gustavo.  Imediatamente deu três palmadas rápidas com as mãos, quando surgiu na porta, uma de suas ama, trazendo nos braços várias roupas, que seriam usadas pelo visitante, para que não ficasse diferente dos costumes locais e poder transitar sem muitos obstáculos.

Enquanto Luis Gustavo se trocava, vestindo aquela fina roupa presenteada pela admirável moça, na sala de visitas, ela explicava para Faustos, os propósitos da sua visita em tão poucas horas do dia. O velho compreendeu e pôs-se a também, se preparar para aquela inesperada jornada, arquitetada por Mayritsha. Eles iriam visitar os principais pontos turísticos de Constantinopla. Na parte de fora da casa duas bigas maiores que as convencionais, puxadas por quatro cavalos cada uma, os aguardavam. Na primeira estariam Mayritsha, Luis Gustavo, Faustus e o condutor. Na segunda, cinco homens robustos e armados, os seguiriam, com a função de escolta, semelhantes a seguranças de alguma autoridade de grande importância.

Durante quase todo o dia, visitaram as principais ruas da cidade, na sua maioria pavimentadas com pedras; passaram em frente ao monumental Palácio Imperial; estiveram diante do Hipódromo, a maior edificação do gênero no mundo na época, maior inclusive, que o Coliseu de Roma, com arquibancadas e pista de areia; percorreram longo trajeto da Grande Muralha que cercava Constantinopla; admiraram-se com a beleza de engenharia e arquitetura da Basílica de Santa Sofia e do Aqueduto do Falcão Cinzento, cuja construção teve seu início no período do imperador Constantino I ou Constantino o Grande, só concluída, pelo imperador Valente no ano de 368; especularam no mercado de especiarias; resplandeceram com o comércio de produtos orientais, têxtil, tecelagem e ourivesaria; encantaram com o estreito de Bósforo, que liga o mar Negro ao mar de Mármara, limite entre os continentes asiático e europeu, também grande fonte de receita para Constantinopla, pelo seu porto marítimo, considerado como ponto de convergência para o comércio de todo o oriente até a península balcânica no Mediterrâneo. Enfim, conheceram o que existia de mais interessante para ser visto na capital romana do oriente.

Ainda considerando as construções de alto alcance e importância pela sua grandeza, visitaram também o sistema de cisternas, composto por 60 delas, construídas pelo imperador Justiniano, no ano de 532, logo após a revolta de Nika. A mais importante destas cisternas, sob todos os aspectos de engenharia, tamanho, capacidade de armazenagem, estrutura jamais vista, até então inimaginável, estava localizada no subsolo da Basílica de Stoa, na península de Saraybumo, região sudoeste da capital Constantinopla, com a finalidade de suprir o abastecimento de água para a população, nos períodos considerados críticos. No entanto, as cisternas abasteciam quase que, tão somente, o palácio e a drenagem dos jardins imperiais.

Findadas as visitas, cansados, precisando de um revigorante banho e uma suculenta refeição, despediram-se com o compromisso de se reencontrarem no dia seguinte. O interessante, é que, mesmo não entendendo uma só palavra entre eles, não os impediram de manter um bom relacionamento afetivo de amizade. Graças aos recursos dos sinais, e a simpatia que foi a máxima entre os convivas.

Após o banho e a farta refeição, Luis Gustavo, naquele momento, queria mesmo, era poder ir se esticar numa confortável cama. Talvez, pela falta de costume, estava se sentindo exausto. Foi isto mesmo que fez. Despiu-se daquela roupa quente dos costumes dos novos amigos, procurou suas próprias roupas, a bermuda e a camiseta, as quais se tornaram parte do seu vestuário diário, portanto, estavam perfeitas para um longo sono repousante.

Deitou-se preguiçosamente e começou a relembrar sua incrível façanha em Constantinopla. As visitações naquele esplêndido lugar, com tantas maravilhas para se admirar e jamais esquecê-las. Sem entender começou a se sentir zonzo, ainda bem que já se encontrava deitado. Logo presumiu que, o que estava acontecendo, se repetia quando foi parar em pleno Império Bizantino, e tornar-se um visitante cósmico. Eram os mesmos sintomas da sua transmutação para o mundo antigo da fantástica Constantinopla. Quando recobrou os sentidos, estava ele, deitado na sua própria cama. Olhou meio confuso a decoração do seu quarto, os fragmentos do livro que o pai havia rasgado. Mais ao lado, o seu amontoado de livros, e ainda, pode constatar sua habitual organização, roupas jogadas aqui e acolá.

Sem muito esforço pôs-se a dormir. Quando acordou ainda bem cedo, começou a passar um filme na sua cabeça. Pareciam cenas presenciais de tudo que conseguira ver e, as afetivas e inesquecíveis companhias de Mayritsha e do atencioso erudito, Faustus Notrienda Papalauka. Imediatamente surgiram os questionamentos óbvios. Como iria contar sua viagem no tempo para os pais, para os amigos, principalmente para Maria Rita, sua amiga mais próxima e a quem tinha verdadeira atração sentimental e admiração intelectual? Se pelo menos estivesse com a roupa que usara nas visitas aos pontos turísticos de Constantinopla, no momento da sua progressão cósmica, ainda assim, não os convenceriam. Poderia tê-las comprado em algum brechó temático, fantasia carnavalesca, por exemplo. Concluiu que aquela seria uma história que ele teria que enterrá-la para sempre, no seu túmulo de memórias.


Este conto eu o escrevi no último, sábado e domingo, dias 17 e 18 de agosto. Espero que goste. Au revoir.


A propósito, você já acessou a fan page do meu livro infantil Juju Descobrindo Outro Mundo? Não imagina o que está perdendo. Acesse: www.fecebook.com/jujudescobrindooutromundo.

E o site da Juju Descobrindo Outro Mundo, já o acessou? Se eu fosse você iria conferir imediatamente. Acesse: www.admiraveljuju.com.br 



Imagens ilustrativas: Google


domingo, 3 de agosto de 2014

Sem utilizar-se de armistício Tolstói escreve Guerra e Paz



Seria uma tremenda hipocrisia dizer que li a obra completa de Leon Tolstói, Guerra e Paz. Li sim, textos resumos, comentários diversos, opiniões questionáveis e uma longa entrevista com o escritor e tradutor Rubens Figueiredo, concedida por telefone, para Zelmar Guiotto, de Montpellier, France, em 17 de dezembro de 2011. Na qual, Figueiredo conta detalhes curiosos de sua dedicada atenção, como tradutor de Guerra e Paz, durante os 3 anos que levou para concluí-la. Explica de maneira simples, transmitindo invejável modéstia o seu lado profissional de escritor e tradutor. Traduzir Tolstói foi sua mais recente empreitada, para a editora Cosac Naify.

Quem tem o costume de ler clássicos de autores estrangeiros, certamente sabe, quando uma obra passa pelo olhar atento de Rubens Figueiredo, não se questiona qualidade de tradução e nem talento literário. É respeitado pelos vários trabalhos como tradutor de autores imortalizados por suas obras igualmente valorosas, tanto do inglês para o português, como do russo, idioma que domina desde a juventude.

Outro motivo que me inclinou a publicar sobre Guerra e Paz, é o seu valor histórico literário, notadamente pela relação entre o ambiente pitoresco da narrativa sobre as guerras napoleônicas do início do século XIX, com a ficção romanesca do autor e o comportamento literal volúvel e instável, dos seus personagens.

No entanto, torna-me impossível negar, que o texto escrito por Luiz Rebinski Junior, Ilíada de Tolstói, que você poderá conferir logo abaixo desta minha pretensiosa participação. Além é claro, da entrevista que também, está disponível com um simples clique aqui, sejam a constatação de que, tenho razão de não querer me silenciar diante desta oportunidade. Da mesma forma, poder premiar o leitor do Bússola Literária, a conhecer estas duas concepções interpretativas  de Leon Tolstói e sua extraordinária Guerra e Paz.

Entretanto, o que se pode constatar, é que, a narrativa de Tolstói, em Guerra e Paz, é recheada de conflitos pessoais entre os personagens. E, a guerra tão mencionada, entre franceses e russos, aparece como um simbólico pano de fundo, para justificar as atitudes de conquistas e ambições individuais, envolvendo interesses comuns da sociedade da época, sejam eles amorosos ou financeiros. E, o despreparo das tropas do Czar Alexandre I, para encarar a realidade ineficiente do seu exército, contra um inimigo acostumado a grandes lutas; preparado para enfrentar situações políticas e militares de forma profissional, sem qualquer rigor de escrúpulos.

Seria como se reparássemos as duas faces de uma moeda, num jogo de cara ou coroa. De um lado aparece a participação definitiva e providencial do proletariado, em especial a população campesina, responsável pelo trabalho duro nas suas pequenas propriedades, garantindo a produção de alimentos que os sustentariam, e ainda, ajudar a classe dominante, constituída de nobre e abastadas famílias de empresários, com os seus víveres.

Do outro lado, a necessidade – mesmo sob forte lamento –, desses menos afortunados, abdicar-se de suas plantações e, pagar a duras penas com os seus ideais patrióticos, destruindo seus celeiros de alimentos, abatendo os seus animais domésticos, participando diretamente dos combates e, por fim, promovendo o caos pela falta de suprimentos alimentares, com os quais, manteriam o exército inimigo no seu pleno vigor físico.

Destituídos desses proventos os franceses, são obrigados a se retirarem, tendo pela frente, um torrencial chuvoso atípico do outono russo, que impede o exército de Napoleão seguir seu curso de retirada, obrigando-o a retroceder, quando é obrigado e enfrentar a implacável superioridade de combate russa.

Outro infortúnio também se fez presente. Além das elevadas baixas inimigas e o número alto de soldados presos de guerra, o exército inimigo, ainda teve que encarar o rigoroso inverno, com baixíssimas temperaturas, provocando uma sensação desesperadora: enfrentar o frio que cortava feito navalha, a falta de agasalhos, de alimentos e submeter-se a impiedosas doenças.



A Ilíada de Tolstói
Por Luiz Rebinski Junior



Em se tratando de Leon Tolstói, tudo parece ser superlativo. E isso vai muito além da extensão dos romances que o autor russo escreveu ao longo dos seus 82 anos. A isto se inclui, é claro, seu mais célebre livro, “Guerra de Paz”, que discute uma gama imensa de assuntos, não apenas relacionados à Rússia do século XIX, mas de grande parte da Europa. É uma obra monumental em todos os aspectos, inclusive no que se refere ao seu percurso editorial.

A grosso modo, o livro trata do confronto das forças do czar russo Alexandre I com os exércitos napoleônicos em um período que vai, aproximadamente, de 1805 a 1820. Para além das batalhas, Toltói apresenta um amplo painel da vida russa do início do século XIX, construído a partir de uma galeria imensa de personagens, de todas as classes sociais. Além disso, ao tratar de fatos históricos, o autor inevitavelmente constrói sua ficção baseado em figuras públicas de seu tempo, com especial destaque para Napoleão Bonaparte, a personalidade mais controversa da época.

Quando começou a escrever “Guerra e Paz”, Tosltói já era um escritor conhecido e homem maduro. Havia entrado nos cursos de direito e letras orientais na Universidade de Kazan, servido na guarnição do Cáucaso – onde escreveu o livro “Infância” –, além de ter participado da Guerra da Crimeia.

Publicado inicialmente em fascículos na revista Mensageiro Russo. O título do livro, Guerra e Paz, primeiramente se chamou 1805, em uma referência ao período em que se inicia a narrativa. “Mas o livro se tornou muito mais abrangente do que o autor havia previsto e o título 1805 se revelou inevitavelmente redutor”, diz Rubens Figueiredo, tradutor da mais recente edição brasileira do romance, com 2.500 páginas, distribuídas em dois volumes. O título que ficaria mundialmente famoso teria sido inspirado em um livro do anarquista francês Pierre Proudhon, “La guerre ET La pax.”

Persuadido pela mulher Sofia, Tolstói resolveu interromper a publicação em forma de folhetim na revista mensal e a começar a publicá-lo, volume por volume, em formato de livro. “Além do mais, diferentemente de outros textos de autores russos igualmente publicados em forma de folhetim, Guerra e Paz não se adaptava bem a uma publicação em série. Seu alcance era muito grandioso. Não havia nenhum “gancho” no fim de cada fascículo que induzisse o leitor a comprar o próximo número para ver como as coisas se desenvolviam”, escreve William L. Shirer, em Amor e Ódio, que narra a relação entre Tolstói e a mulher Sofia.

Copidesque – A mulher de Tolstói também teria um papel fundamental em tarefas mais prosaicas, como passar a limpo o que o marido produzia diariamente. Ao que tudo indica, ninguém mais em Iasnaia Poliana, a propriedade rural onde o escritor se isolou para escrever sua obra, conseguia decifrar a caligrafia de Tolstói.

Segundo biógrafo William L. Shirer, Sofia havia copiado o romance sete vezes. O tamanho da obra também representou um problema para o editor de Tolstói, P. I. Barteniev. “Só Deus sabe o que o senhor está fazendo”, escreveu o editor. “Se continuar assim, vamos recompor e corrigir eternamente. Qualquer um pode lhe dizer que metade das mudanças que o senhor faz são desnecessárias. No entanto, elas causam uma diferença apreciável nos custos da composição tipográfica. Eu pedi ao tipógrafo que lhe mande uma conta separada, só das correções. Pelo amor de Deus, pare de rabiscar.”

Escrito ao longo de cinco anos, a partir de 1865, Guerra e Paz, foi lançado em 1869, em seis volumes. O próprio Tolstói adiantou 4.500 rublos ao tipógrafo. Como se revelaria mais tarde, a primeira edição do livro, cujos seis volumes eram vendidos por oito rublos, traria ao autor uma pequena fortuna.

Tornando-se um clássico – A repercussão do livro foi imediata. A literatura russa do século XIX         estava entranhada na sociedade e os livros eram recebidos sempre com muita polêmica. “Os leitores pertenciam, sobretudo, à classe alta. Mas naquela altura a sociedade russa se transformava de maneira rápida e profunda. Uma camada numerosa da população, oriunda de famílias de comerciantes e de funcionários de baixo e médio escalão, começava a ter acesso à educação”, diz Figueiredo.

Diferente do padrão “europeu” de romance da época, Guerra e Paz, mesclava relatos da história recente da Rússia a uma base ficcional bastante engenhosa, que dava conta de centenas de personagens. A própria mulher de Tolstói antevia que o trabalho do marido continha grande singularidade. “Em minha opinião, o romance Guerra e Paz, será algo extremamente fora do usual”, escreve Sofia à irmã em 1867, enquanto corrigia os originais do marido.


O próprio Tolstói se negava a qualificar o livro, dizendo que não se tratava “nem de um romance, nem de poema, nem sequer de crônica histórica”. E comparou, sem falsa modéstia, seu trabalho a Ilíada, de Homero.


A propósito, você já acessou a fan page do meu livro infantil Juju Descobrindo Outro Mundo? Não imagina o que está perdendo. Acesse: www.fecebook.com/jujudescobrindooutromundo.

E o site da Juju Descobrindo Outro Mundo, já o acessou? Se eu fosse você iria conferir imediatamente. Acesse: www.admiraveljuju.com.br 


Imagens: Google