domingo, 12 de dezembro de 2010

Os revezes da tecnologia












Há menos de dois anos tive a felicidade de conhecer, mesmo de forma virtual, esta talentosa escritora e poetisa: Arlete Meggiolaro. O primeiro contato aconteceu através de email, em seguida, pelo endereço do seu fantástico site Orvalho D'Alma, o qual passei a frequentar com certa assiduidade. Nossas trocas de gentilezas foram se estreitando, até que éramos contatos constantes, seja por intermédio do endereço eletrônico, como também pelo seu bem elaborado site, rico sob todos os aspectos em conteúdo e visual.

Passado algum tempo, recebo recado da própria Arlete, dizendo-me que seu site Orvalho D'Alma, de forma lamentável se encontrava fora do ar, e que, estava preocupada diante do comprometimento do seu valioso acervo, contendo trabalhos tanto dela, quanto de outros poetas que procuravam refúgios em suas páginas. Infelizmente amputaram um dos braços do seu extraordinário espaço cultural e de entretenimento valoroso; o mesmo que afagava os leitores e os poetas anônimos; o mesmo que estendia sua mão amiga e afetuosa, proporcionando conforto e carinho aos seus seguidores.

Agora, nosso Blog Bússola Literária, está publicando para felicidade dos seus leitores uma crônica e dois contos, extraídos do seu livro "Silhuetas do Âmago" publicado pela Editora Protexto em 2005. Constituido-se numa constelação de péroras brilhantes, que sem dúvida provém desta pessoa iluminada, que carrega no coração a sensibilidade do amor, da fé, da compreensão e do pensamento eloquente, capaz de mover céu e terra com a felicidade de só mostrar o belo, através da fecundação de seus textos encantados.

Continue nos alegrando e nos ensinando com o seu talento Arlete Meggiolaro, estes são os revezes da tecnologia. Em determinado momento, nos maravilhando com sua expansão global, outra hora, nos entristecendo pela inveja do invisível nocivo.



Poesia e criador
(Crônica)







Ontem, dia quatorze de março, comemorou-se o "Dia da Poesia". De prontidão, um questionamento conduziu-me a interpelar a madre natureza sobre o princípio vital. Sem delongas, desci a barranceira e rumei em direção à zona da mata. Ali chegando, deleitei-me com o frescor da terra, perfumei-me com as fragrâncias que se desprendiam das folhagens, inebriei-me nas águas da corredeira.

Arrebatada, deixei-me cair às margens do arroio, ajustando meus ouvidos ao sussurro dos seres viventes e do farto líquido translúcido. Assim, nessa inteireza do meu eu com eles, pude indagar sobre a procedência de cada espécie.

Após alguns instantes, o coral do horto irmanado ao riacho e à cascata, com a gratidão dos bons filhos, louvaram as mães por lhes terem dado a vida. Sob o som harmonioso da queda d'água, a brisa regeu a coreografia das ramagens.

De volta ao meu remanso, energizada pela sabedoria divinal, retomei o ponto inicial desta jornada. Da estante escolhi um livro de poesias, e o coloquei ao lado de um vaso de flores. Abri a janela. Queria o raio da tarde e a aragem presentes para comemorar as "filhas-poesia".

Poema é a galáxia de palavras agrupadas no universo-alma do poeta. O poeta é cosmo da esteira brilhante, cuja luminosidade encandeia a sensibilidade interior e exterior dos viventes.

A alma do poeta é o ventre.

Assim, todos os dias eu abro meu correio ansiosa por encontrar o rebento do útero da sua alma. Todos os dias minha alma se fecha em tristeza... não vejo sua nova prole. Assim, amor... você não ejacula seus sentimentos, e, tão pouco, fecunda o óvulo desta essência - meu eu.



O diálogo
(conto)











Transcrevi o vivenciado. Quando ouvi a narrativa deste diálogo, fiquei irreverente. Não se trata de um esmoleiro, mas de um ser, que pelo visto, resolveu dar um chute no "sistema".

Introcução:
Elenice estréia no teatro - peça "Chico Mendes".
Local: Centro Cultural de São Paulo.
Flanelinha: Guardador de carro. Tipo índio, de pele vermelha, estatura média, atarracado, com mais ou menos trinta e seis anos de idade. Um tanto... atrevido. Talvez a cachaça contribua bastante para esse perfil.

A companhia de teatro havia prometido ingresso para assistir à peça.
Elenice estaciona o carro em frente ao teatro.
O Flanelinha, ao lado da janela:
- Oi, tudo bem?
- Tudo bem. Conseguiu assistir à peça?
- Deram ingresso pra mim.
- Você gostou?
- Legal. Saí chorando. Vou levar minha mãe e minha avó.
- Muito bom. Gostei de saber que sua avó virá.
- Moça, tome cuidado pra não emocionar muito, ela tem noventa e seis anos.
- Éi?... Tomaremos.
- Ei, você aí! Tá brava comigo?
- Maior papelão. Outra noite eu dei a você as únicas moedas que eu tinha e não aceitou.
- O que gosto mesmo é de quebrar os conceitos. Político é vagabundo, eu não.
- Já tem muita gente destruindo, o necessário é ter gente que construa.
- Eu não acredito no mundo como ele é. Sou livre para fazer o que quero e como quero.
- O quê você achou do ideal de Chico Mendes?
- Pra mim ele foi o herói. Encarou a morte de frente para alcançar seu objetivo.
- Morreu pela aliança dos povos da floresta. Estou indo. Tenho workshop antes da peça.
- Pô, workshop! A maior aula que você tá tendo é aqui. Veja o vível do nosso papo.
- Taí, gostei como você captou a profundeza da mensagem. Mas preciso ir.
- Workshop é pra quem não sabe de nada e precisa aprender.
- Tem razão, quero ouvi-lo com mais tempo. Depois continuaremos a conversa. Até mais tarde.



Sonhos esfiapados minha mãe águia
(conto)







Sobre a copada de uma gigantesca árvore, a realeza águia - harpia - nidificou para cria. O nome da espécie frondosa poderia ser jatobazeiro, mas a denominei de vida.

Águia, ave extraordinária, vigorosa, astuta e determinada, digna de ser magnificada. Jamais, mesmo sob mau tempo e nos redemoinhos das controvérsias, deixou de caçar em voos rasantes, quer no habitat do íntimo, quer entre as galharadas do exterior, o sustento através do discernimento. Alimentando com a fruta nativa, a perspicácia, instruiu o filhote a enfrentar os caminhos tortuosos, bem como alçar voo aos píncaros. Enquanto aninhava o filho sob suas asas, conjugou o verbo amar no presente e no futuro; sua sapiência afugentou o condicional.

Sóis, borrascas, primaveras e outonos motivaram a super mãe a equilibrar-se sobre os ramos das dificuldades. Todavia, o tempo algoz, sem pedir licença, lhe substituiu as velhas penas por outras novas. A agudeza ocular restringiu-se a pequenas distâncias.
Os ventos sopravam e moviam o ciclo natural da existência que por sua vez bafejou sobre o filho crescido. O indefeso tornou-se senhor de si. Ele, guarnecido do par de membros emplumados, ergueu-se em voo para o distante, em busca da autonomia, do complementar e das realizações tão apregoadas.

O que restou do desejo de valorização pessoal desta talentosa e perspicaz águia mãe, a governante do dossel?

Com seus sonhos esfiapados, recolheu-se na fenda do penedo existencial. Da lucidez desta incansável mãe, o presente cede lugar ao nostálgico álbum do passado. Artesanalmente, confeccionou a coroa da inutilidade e a cravou em sua própria fronte, fazendo escorrer sobre seu eu a concepção da inabilidade.

Mãe águia tão amada, quisera eu ter poderes para arrancá-la deste torvelinho da desesperança e injetar na sua artéria a certeza da imortal aptidão. Esta permanecerá arraigada no seu espírito tanto quanto seu amor.



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Imagens: Google imagem