sábado, 20 de março de 2010

Glauco Villas Boas, do humor ao trágico









Quando tudo parecia estar bem, eis que surge diante de si o deserto do caos. As flores tão mimosas que embelezavam os jardins se rebelam mostrando as farpas do espinheiro sangrento. As florestas que tão bem abrigavam lindos pássaros canoros, de repente ficam entregues às serpentes do mau. Esse universo antagônico mostrando de um lado o bem, do outro esconde o mal traiçoeiro e covarde. Nesse mar profundo da insensatez a confiança é ultrajada sob o domínio do demônio no seu inferno de desequilíbrio. E a vida na procura do sorriso amigo encontra a fatalidade como repouso. Encontra a sombra densa que escureceu o mês de março para a família do Glauco Villas Boas, 53 anos, e também cegou sua arte divertida, sagaz e crítica.

Na madrugada de sexta-feira do dia 12, Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, o Cadu no seu cinismo doentio, eliminou de maneira brutal o cartunista e o seu filho Raoni Villas Boas de 25 anos, em situação bem adversa da estruturada na fé idealizada e construída por ele na busca pelo enriquecimento espiritual compartilhada com a doutrina do Santo Daime. É inegável que sua competência profissional e carismática, fizeram de Glauco um cara que discutia através de suas charges divertidas o dia-a-dia dos indivíduos e da sociedade, destacando suas ansiedades e conflitos sem impor os modelos estigmatizados da perfeição a serem seguidos. Suas criações transcendiam as mesmices alienadas sob o ponto de vista comportamental das pessoas e da modernidade cibernética. Diante de uma situação grotesca imprevisível deparou-se com a fúria insana e destruidora de um comportamento apocalíptico psicodélico que o enviou para mundo dos espíritos. Assim se foi um artista. Um criador inteligente de personagens que durante décadas levou a alegria para muitos brasileiros com seus trabalhos bem humorados retratando o cotidiano, suas transformações e suas neuras.

Descendente de família tradicional de indigenistas, os irmãos Villas Boas, Orlando, Cláudio e Leonardo Villas Boas, engajados na integração do índio sem contaminar sua cultura, nos princípios da isenção de preconceitos e da famigerada exclusão sob todos os níveis, Glauco encarou a estrada das oportunidades como todo novato, indo à busca dos seus ideais acreditando num futuro redentor. Iniciou sua trajetória profissional em 1976, quando publicou o seu primeiro trabalho como cartunista no Diário da Manhã de Ribeirão Preto; em 1977 ganhou o Prêmio do Salão Internacional de Humor de Piracicaba. Com o resultado da sua conquista foi convidado a fazer parte do elenco de cartunistas do jornal Folha de São Paulo, onde consagrou seus personagens e notoriedade nacional com suas criações irreverentes e bem elaboradas o traço enigmático que o personificou. Em l991 participou ao lado de Angeli e Laerte da criação da tirinha “Los 3 amigos”, satirizando os filmes de bang-bang do velho Oeste, com a presença indispensável dos mexicanos e suas indumentárias tradicionais. Também fez parte da equipe de redação dos programas TV Pirata e TV Colosso da Rede Globo.

Seus personagens

Geraldão – Criado em 1981, solteiro de 30 anos, mora com sua mãe em constantes desentendimentos pelos seus costumes pouco recomendáveis de andar pelado pela casa o tempo todo, beber e fumar muito. Quando encontra remédios toma sem nenhuma preocupação.



Casal Neuras – Criado em 1984, trata-se de um casal formado por uma mulher que aboliu a submissão e o marido com pose de liberal curte o seu ciúme na neura.


Doy Jorge – Criado também nos anos 80, destaca um roqueiro mal sucedido que se deixou levar pelas drogas pesadas e suas nóias.


Zé do Apocalipse – O profeta brasileiro



Com Péricles de Andrade Maranhão, o criador do Amigo da Onça não foi diferente, só que ele foi o responsável pela sua própria tragédia pessoal se autodestruindo pelo seu livre arbítrio. Depois de 30 anos de pleno sucesso profissional, vários prêmios e vendo a vida descambar para a boemia desregrada, solidão e depressão, provocou suicídio. Abriu o gás do seu apartamento e ficou esperando a morte chegar. Mesmo determinado a morrer não descuidou da sua maneira humorada de ver os fatos. Teve o cuidado de escrever um aviso “Não risquem fósforos” que foi afixado na porta.

Após sua morte Carlos Estevão também seu amigo, continuou desenhando as charges na tentativa de manter viva a imagem do personagem sem, contudo, alcançar o mesmo sucesso conquistado pelo seu idealizador que se tornou a sua própria identidade. Poucas pessoas o chamavam pelo nome Péricles, era conhecido mesmo como o criador do Amigo da Onça.


Péricles nasceu no bairro Espinheiro, no Recife em 14 de agosto de 1924, faleceu no Rio de Janeiro em 31 de dezembro de 1961. Sua primeira charge foi publicada no Diário de Pernambuco. Foi presença marcante em O Cruzeiro de 1943 a 1962. Chegou ao Rio conduzindo uma carta de apresentação de Leão Gondim de Oliveira o manda chuva dos Diários Associados, a mais poderosa rede de comunicação do país na época. Em 1942 estreou no Diário da Noite com o personagem “Oliveira, o trapalhão”. Em 1943 já em O Cruzeiro criou o que considerava o verdadeiro estereótipo do malandro carioca: baixinho, cabelos penteados para trás à base de gumex, Summer jacket, bigodinho safado e olhar de peixe morto. Sua missão espontânea consistia em sacanear as instituições estabelecidas fundamentadas no casamento, exército e na hipocrisia social comum entre as classes sociais predominantes, principalmente entre as elites.

A ideia que deu origem ao Amigo da Onça surgiu a partir de uma piada muito apreciada e comentada entre a população carioca do momento. Cabendo a Leão Gondim o batismo do personagem.

Dois caçadores conversam em seu acampamento:
- O que você faria se estivesse agora na selva e uma onça aparecesse na sua frente?
- Ora, dava um tiro nela.
- Mas se você não tivesse nenhuma arma de fogo?
- Bom, então eu matava ela com meu facão.
- E se você estivesse sem facão?
- Apanhava um pedaço de pau.
- E se não tivesse nenhum pedaço de pau?
- Subiria na árvore mais próxima!
- E se não tivesse nenhuma árvore?
- Sairia correndo.
- E se você estivesse paralisado pelo medo?
Então, o outro, já irritado, retruca:
- Mas, afinal, você é meu amigo ou amigo da onça?


De forma lamentável a história do riso escreveu em suas páginas o final trágico de dois ícones do humor brasileiro.

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Imagens: Site Memória Viva e Internet