sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Ambição, o destino de uma raridade.



É do conhecimento histórico-cultural das artes, que através do comércio emergente pelas Companhias das Índias no século XVI, preciosidades foram possíveis chegarem à Europa. Poucos países naquela época tinham acesso a estes tesouros de refinados gostos, raramente encontrados em destacadas casas especializadas. Pierre François orgulhava-se de ser um destes expoentes proprietários de antiguidades a possuir no seu acervo raridades tão fascinantes, que remetia a um período consagrado por várias lutas internas entre clãs. O seu vaso de porcelana fina e rara, pintado com desenhos em ouro e decorado com pedras preciosas, entre diamantes, rubis e esmeraldas, retratando fragmentos da dinastia Ming do século XIV, traduzia este orgulho para qualquer célebre colecionador. Lógico que possuía outras raridades de períodos mais remotos, mas o seu vaso era sim o seu maior orgulho como colecionador de destaque entre os vários outros existentes no planeta.

Durante anos sua preciosa peça ficava depositada no cofre particular do seu Placement de la Financière Banque de Paris, protegido com recursos de segurança de última geração. Vários convites lhes foram feitos para expor sua raridade, sendo todos veementes negados. Não pretendia expor em público sua valiosa obra, única no mundo e feita sob encomenda pelo Rei Zong Yang Zhao, para presentear sua amada esposa Nay-Ching enaltecendo suas últimas conquistas. Os amigos, estudiosos e colecionadores insistiam para que mostrasse seu valioso patrimônio histórico pelo menos para uns poucos interessados. Como já se encontrava próximo de completar 80 anos e os filhos pouco se interessavam pelo seu hobby milionário, resolveu atender a um destes pedidos irrecusáveis. Tratava-se de não menos que o Sheik Al-Kalihah da Arábia Saudita, velho amigo e também colecionador. O lugar escolhido foi o Museu do Louvre de Paris, conceituado pela sua importância internacional e segurança inviolável. Colecionadores de todo o planeta ficaram eufóricos com a confirmação. Além de suas várias obras entre pinturas, artesanato e esculturas, estaria também exposto o seu valioso vaso chinês. Todas as peças também possuíam seguros totais, fato raro para este tipo de negócio, mas nem por isto o convencia. Raramente uma seguradora se dispunha a aceitar este tipo de transação, principalmente em se tratando de raridades tão valiosas e na sua maioria única, e motivo de cobiça não só para colecionadores, mas também por aventureiros ladrões, que arriscariam o próprio pescoço para tê-las nas mãos. O comércio das obras não seria fácil pelo seu caráter de exclusividade, mas havia sempre um fissionado por artes que não mediria esforços para adquirir tais raridades, mesmo sabendo que não seria possível exibi-las abertamente.

A exposição havia alcançado projeção em todos os setores das artes e para o evento o milionário colecionador teria se cercado de todos os cuidados imprescindíveis. Suas peças seriam colocadas com algumas horas de antecedência à visitação, transportadas do Banco até o museu por um rigoroso esquema de segurança. Primeiramente o transporte seria feito por helicóptero para evitar o trânsito ou algum imprevisto no transporte.

Até as peças saírem do seu banco, Pierre fez questão de acompanhar de perto todo o processo. As pessoas envolvidas foram escolhidas observando a criterioso processo de seleção, inclusive, o piloto da aeronave era da inteira confiança do seu genro Jean-Mari, que embora não tivessem bom relacionamento familiar com o colecionador era o esposo de sua filha mais velha e chefe do Departamento de Transportes Aéreo do seu conglomerado de empresas, inclusive do banco.

Eventos desta natureza costumam atrair as personalidades mais importantes do universo das artes e curiosos ilustres ávidos por um flash dos noticiários. E Pierre era uma destas pessoas muito procuradas naquele momento para entrevistas.

- Senhor Pierre, Senhor Pierre! Aqui, sou Monique da TV France ao vivo! – Chamava insistentemente a repórter, tentando arrancar algumas palavras do ilustre colecionador.

- Por favor, Senhor Pierre, só um minutinho. – Insistia a repórter.

- Senhor Pierre, qual é a sua expectativa para esta exposição, depois de anos sem mostrar suas valiosas peças? – Com dificuldade conseguiu fazer sua pergunta, a jovem repórter.

- Muito boa! Espero que não seja a última sob os meus cuidados. – Esclareceu Pierre François, temeroso por outra oportunidade, preocupado com sua idade.

- Senhor Pierre, é do conhecimento de todos que o mundo estará atento para a abertura da exposição. O senhor também está ansioso? Ou preocupado com a segurança dos objetos expostos? – Perguntou a repórter.

- Ansioso sim, preocupado não! Todos os cuidados possíveis, e acredito até impossíveis foram tomados. – Respondeu confiante Pierre François.
- Os colecionadores e interessados poderão oferecer propostas para aquisição de alguma das suas peças? Ou é somente uma exposição memorável de contemplação da valorosa coleção? – Perguntou a repórter, focando outras possibilidades de negócios.

- Não serão permitidas ofertas, já que nada está à venda. Trata-se apenas de uma exposição de visualização. Nem fotos serão permitidas. – Disse Pierre François.

- Como ficou estipulado apenas dois dias de apresentação ao público, assim mesmo para pessoas credenciadas ou convidados especiais, existe a possibilidade de estender esse prazo para mais dias? – Perguntou a repórter.

- Não, infelizmente não! Não haverá outra oportunidade, pelo menos por agora. Serão somente os dois dias confirmados. – Cansado das perguntas que muito o incomodava, além dos flashes de câmeras fotográficas e luzes dos refletores de filmagens, Pierre se despediu saindo escoltado por seus seguranças.

Enquanto os privilegiados visitantes autorizados se admiravam com cada raridade, Antoine Débiton um expert avaliador e reconhecido conhecedor do patrimônio de artes do amigo Pierre François, observando sem grandes pretensões o vaso, notou alguns detalhes que lhe chamaram a atenção. Parecia não acreditar, mas algo não estava certo com a peça. Mesmo sabendo que todos os cuidados para que nada de ruim acontecesse, envolvendo inclusive cuidados especiais por se tratar de uma raridade, apenas algumas poucas fotos foram divulgadas em importantes enciclopédias até aquele momento, o que a tornava ainda mais difícil de falsificação, ainda assim, tudo levava a crer que o objeto exposto não passava de uma réplica. Imediatamente procurou o amigo e participou suas dúvidas. Pierre François espantou-se, chegando quase a ter um colapso, sendo amparado de imediato. Seria improvável a princípio tal conclusão, principalmente em se tratando daquele objeto que a comunidade especializada se curvava. Antoine Débiton se orgulhava de ser um dos poucos que há muito tempo a acompanhava de perto por ser da inteira confiança do seu colecionador.

Aconselhado a manter maior discrição possível, Pierre François seguiu em direção do seu cobiçado tesouro. Não demorou muito para constatar a falta de autenticidade do objeto de desejo para muitos. Quase foi a loucura, contudo, conseguiu minimizar sua expressão de incredulidade. Em seguida contendo o grau de desespero, procurou o curador da mostra Sr. Alain Dubreuil e relatou o acontecido, sendo aconselhado a manter a exposição sem nenhum tipo de alarde e aplicar vigilância triplicada. De imediato iria iniciar uma investigação sob sigilo absoluto, uma cópia da relação dos visitantes foi solicitada. Sem perder tempo o milionário colecionador telefonou para Gustave Berthelot renomado investigador, também seu amigo.

Várias perguntas começaram a borbulhar na mente dos envolvidos, dentre elas, duas eram evidentes: como poderia? Como conseguiram? A visitação transcorria normalmente, tudo levando a crer que somente aqueles que constataram a fraude estavam cientes do acontecimento. Com dificuldade Pierre François conseguiu permanecer no local mais alguns minutos, retornando à sua residência alegando cansaço e indisposição, entretanto, somente ele sabia da tristeza e decepção que alojara no seu coração diante do ocorrido. Tudo iria fazer para resgatar sua preciosidade custe o que custasse. Não economizaria nada nesse sentido.

Assim que Pierre François chegou à sua residência sob a orientação dos acompanhantes, dentre eles Antoine Débiton, encaminhou-se direto para o seu escritório. Em menos de uma hora o aguardado investigador Gustave Berthelot já estava em sua companhia. Vários assuntos foram tratados relativos ao incidente. Gustave Berthelot não perdeu tempo:

- Senhor Pierre, quantas vezes esteve com a peça roubada nos últimos dias? – Perguntou Gustave Berthelot, procurando se informar de alguns detalhes que pudessem clarear os preliminares das investigações.

- Nos últimos quatro dias estive por várias vezes, não só para ver o vaso em questão como as demais peças que selecionei para a exposição. – Esclareceu Pierre à pergunta.

- Pode esclarecer quais os procedimentos usados normalmente para ter acesso às suas preciosidades? – Arguiu novamente o investigador.

- Claro! No meu Banco, existe o cofre principal onde são guardadas grandes somas. Este cofre tem controle automático de tempo/hora para ser aberto. Portanto somente às 8h impreterivelmente é aberto. Sob hipótese alguma se consegue ter acesso ao seu interior. Não vou descrever o grau de segurança de sua porta e do interior do cobre porque é desnecessário e por outro lado é um segredo de garantias. Sempre que entro faço antes uma cuidadosa observação de praxe. – Esclareceu o banqueiro.
- Sendo o cofre principal aberto somente a partir das 8h, significa que está deixando claro que seu tesouro em artes fica guardado nesse cofre? – Novamente questionou o investigador.

- É verdade, as peças de artes mais raras e que carecem de cuidados especiais ficam guardadas nesse cofre, só que em outro compartimento que também se trata de um cofre, dentro deste de segurança máxima. Assim, para eu ter acesso às minhas obras tenho primeiro que entrar no cofre maior e depois abrir o outro que não é tão pequeno, mas exclusivo das peças. – Esclareceu Pierre.

- Qual é a forma utilizada para abrir esse cofre das artes? – Interessou-se o investigador.

- Para abrir este cofre necessita-se de um código senha de números digitais. Não coloquei o processo de identificação por leitura ótica através do contato com as mãos por achar desnecessário, já que somente eu tenho acesso. Inclusive no cofre de numerários, ouro, jóias da família e documentos importantes do banco, como de costume somente eu e o tesoureiro podemos entrar. Ninguém mais. – Esclareceu mais uma vez o banqueiro.

- E nestes últimos dias que antecederam a exposição, quantas vezes o senhor esteve com as peças escolhidas para o evento? – Perguntou o investigador.
Enquanto os dois conversavam, Antoine Débiton em silêncio acompanhava o questionamento que iria ajudar a montar o quebra-cabeça para desvendar alguns indícios e ser possível dar prosseguimento às investigações.

- Ninguém mais o acompanhou nesse processo? – Interessou-se Gustave Berthelot.

- Não, ninguém! Estive sempre só. – Esclareceu mais uma vez o colecionador.
- Significa que foi o senhor quem embalou todas as peças, ou estou enganado? – Perguntou o investigador curioso.

- Sim, somente eu me encarreguei de todos os pormenores de preparação dos objetos. Apenas as embalagens foram enviadas pelo Museu, por fazer parte dos procedimentos habituais. É necessário conter nas caixas a marca do expositor. Isto tem origem de há muito tempo. Acho que faz muito sentido. Significa organização. – Esclareceu mais uma vez o colecionador.

- E hoje antes de serem transportadas, quantas vezes o senhor esteve em contato com o seu patrimônio selecionado para a exposição? – Interessou-se o investigador, tentando juntar as pedras do mosaico que se apresentava pela frente.
- Hoje eu estive com elas, quatro vezes. A primeira quando se abriu o cofre forte, aproximei-me das caixas e verifiquei se tudo estava bem. Isto numa atitude rápida sem preocupações adicionais. Acho que foi mais por força do hábito, nada mais. – Explicou Pierre François.

- Entendo. E as outras três vezes? – Seguiu com suas perguntas o experiente investigador.

- Outra, quando fomos verificar o volume das caixas para melhor acomodação na aeronave que faria o transporte. Desta vez me acompanhava Jean-Mari que iria orientar o piloto. – Esclareceu Pierre François.

- A penúltima, foi uma entrada técnica. Seria necessário isolar a parte exclusiva do banco, onde ficam depositados todos os depósitos e documentos pertinentes a instituição. – Declarou Pierre, esclarecendo.

- E por último, quando foram recolhidas as caixas. Nesse momento até o sistema de segurança armada do banco estava aposto, com o auxilio de vários homens bem armados. Novamente respondeu o banqueiro.

Após a longa conversa esclarecedora, Gustave Berthelot se despediu sem muita explicação, recomendando todo sigilo sobre a conversa e que não deveria em hipótese alguma revelar o descobrimento da fraude, para não alertar os envolvidos no roubo. Mais tranqüilo diante das perspectivas e votos de confiança nas investigações, o milionário colecionador se acalmou e manteve a serenidade de antes.

Não deixe de conferir a continuação desta aventura de espionagem ainda nesta semana. Novas investidas, novas descobertas, novas ações estarão envolvendo esta trama de contínuas buscas, onde a experiência e a astúcia do profissional enganjado a esse tipo de desafio faz a diferença.

Imagens: Internet