sábado, 26 de setembro de 2009

Mel da Tâmara


Caminhando pelo Sahara de sua subsistência, um beduíno errante resolve entregar-se ao descanso dos deuses. Merecidamente, afinal naquele dia já havia viajado por horas sob o sol causticante, e na sua seara de amor, lutas e conquistas o repouso se fez necessário, portanto, seria ali o lugar ideal para repor energias. Assim no oásis de seus encantos, sob a sombra fresca de uma tamareira e na solidão do pastoreio, cogitou instalar-se, expectante que o céu azul celeste do momento mostrasse no horizonte de seus olhos reluzentes, um pôr-do-sol cheio de presságios bondosos, uma visão poética do sol se pondo atrás das dunas, que ele se negava a não contemplar.

Cobrindo sua cabeleira, um turbante nácar expõe sua genialidade e sua elegância. Com pensamentos em êxtase, vagou por épocas belíssimas remetendo-se à sua infância junto à família, e das primeiras lições recebidas. Acessou fragmentos de sua jovialidade e num estalar de dedos, surgiu na sua mente um acontecimento que marcou muito sua vida, suas ações, seu respeito à natureza e a quem dela dependessem. O sabor adocicado da tâmara, feito uma assência de mel suave. Sua boca salivou abundatemente. Olhou para o céu todo iluminado por uma constelação de luzes poéticas, agradeceu ao Divino as bênçãos concedidas.


Ah, maravilha primorosa! Sonorizou num estufar do peito. Deliciou-se com o momento, pois, só ele e uns poucos conheciam a felicidade de sentir aquele sabor inarrável de dormir sentindo o aconchego de uma tamareira bem no abstrato mundo das ilusões, dos sonhos e da esperança. Abriu preguiçosamente os braços, bocejou calmamente, cerrou os olhos, pôs a alma vigilante e descansou o corpo dolorido pelas viagens de sua vida.

Durante o sono, com a visão encantadora de seu sonho muito desejado, atraído pela excitação da mente, encontrou-se com Malba Tahan. Através da manifestação dos sentidos, tornou-se impossível não se divisar frente a frente com o homem que calculava. Beremiz Samir exercitava com tanta determinação sua capacidade de fazer cálculos que aproveitando dessa sua faculdade tão extraordinária, resolveu ajudar o seu patrão nos negócios com as tâmaras. Passou então a contar todos os frutos dos cachos das tamareiras pelos oásis sob o seu domínio. Sua habilidade com a matemática era tão fascinante que já havia lhe permitido contar os pássaros em bando no céu; folhas das árvores durante o trajeto de sua viagem à Bagdá do Século XIII; e todas as abelhas de um enxame.


Como nômade conhecia muitas histórias e lendas sobre as tamareiras e o seu fruto, contadas por diferentes etnias, pesquisadores e andantes do árido deserto. Orgulhava-se de narrar aos viajantes menos esclarecidos às vantagens, curiosidades e crenças espirituais que elas representavam aos povos da imensidão desértica.

Não era estudioso de botânica, tampouco havia sentado num banco escolar tradicional. Sua sabedoria vinha de uma mente super privilegiada, adicionada as experiências da vida, que adquiriu nas andanças pelo árido deserto e de ter aproveitado as oportunidades como ouvinte e curioso do desconhecido. Absorvendo com entusiasmo às histórias contadas por outros como ele, também viajantes daquela ondulada, inóspita e arenosa região. Mas na sua maneira simples de expressar dava show de conhecimentos. Começava suas explanações desde o "b a bá" até os mais notáveis fatos ocorridos na vida dos povos do maior deserto do mundo.

Ao acordar deparou-se com uma pequena comitiva de mestres e alunos que faziam os seus trabalhos "in locuo" em busca de experiências além livros. Aproximaram-se dele e aproveitando da oportunidade de encontrar um indivíduo símbolo daquele território, se apresentaram - como se fosse uma entrevista em busca de curiosidades - e lhe perguntaram se estava disposto a contar algo que achasse relevante dos seus conhecimentos, a respeito daquele ambiente quente e de areias que esvoaçavam ao simples sopro do vento morno e quase sem trégua, capaz de mudar aquela paisagem ocre e seca de um dia para o outro.

Com muita disposição se prontificou a colaborar. Para ele era um prazer fazer aquele obséquio. Ao começar os seus relatos, coincidência ou não, com o seu recente sonho, escolheu a tamareira como foco de sua conversa e de sua importância na vida dos povos daquele mundo exclusivo dos bravos, já que estava usufruindo o bem-estar de suas sombras.

Lembrou-se providencialmente da página de uma revista americana que carregava com muito cuidado nos seus alforjes, que um sábio viajante havia traduzido para ele. Pegou o papel já amarelado, mostou-lhes com o objetivo de registrar a veracidade dos fatos e contou o seu teor, que dizia em determinado momento: - "Segundo a FAO - Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação - Os países asiáticos e africanos, principalmente Egito, República Islâmica do Irã, Arábia Saudita, Paquistão, Iraque e os países visinhos, juntos produzem aproximadamente 98% das tâmaras do mundo. Estados Unidos, Espanha e México produzem o restante. E que as tâmaras são um cultivo de subsistência de extrema importância em quase todas as regiões desérticas".


Continuou: - "Para milhões de pessoas constituem um importante alimento nutricional que contribui na segurança alimentar e é também parte vital da cultura e agro-biodiversidade da população".


A partir daí como se fosse uma preliminar de sua conversa estimulante, deixou fluir naturalmente o seu vasto conhecimento, dizendo que a tamareira é uma espécie de palmeira que nasce nas alturas, símbolo de retidão e vitória. As palmeiras crescem para cima e para baixo, suas raízes descem as mais profundas camadas até encontrarem solo rochoso onde se abraçam nas rochas tendo força para suportar os fortes ventos e tempestades do deserto, por isso sempre permanecem de pé.

Buscando nos seus conhecimentos científicos, aprendidos através dos encontros com intelectuais do deserto e pela sua ânsia de sabedoria, continuou dizendo que a tamareira ou datileira - Phoenix dactylifera - e uma planta de quinze a vinte metros de altura, surgindo às vezes em touças, com vários troncos partilhando o mesmo sistema radicular, em geral crescendo isolada. As folhas são frondes pinadas, com até três metros de comprimento, com pecíolo espinhoso e cerca de 150 folíolos. Cada folíolo tem cerca de trinta centímetros de comprimento e dois centímetros de largura.


Aproveitou o momento para indicar por intermédio dos gestos de suas mãos todas as tamareira daquele lugar onde se encontravam. Todos ali o ouviam extasiados com tamanha facilidade de lidar com as palavras e sabedoria. Com muita naturalidade anunciou que alguém havia lhe contado certa vez que o pesquisador brasileiro, Manoel Abílio de Queiroz, do Centro de Pesquisas Agropecuárias do Trópico Semi-Árido e o Centro Nacional de recursos Genéticos, ambos da Embrapa do estado de Pernambuco, região de relevante importância para a República Federativa do Brasil, doutor em melhoramento de vegetais, havia dito que: - "Uma boa surpresa foi à adaptação da planta no sertão. Começou a dar frutos com quatro anos depois de plantada. No Oriente Médio, isso acontece aos oito anos". Acrescentou ainda, que além do fator econômico, a tamareira também oferece vantagens ambientais. Elas fertilizam o solo, suavizam a temperatura e interrompem a progressão das zonas em processo de desertificação.


Destacou o nobre beduíno contador de histórias, com sua serenidade habitual e a voz carregada de informações elevadas, que a tamareira é uma planta extensivamente cultivada há milênios pelos seus frutos comestíveis. Sua área natural de distribuição é desconhecida, mas supõe-se originária dos oásis da região onde estavam. Norte da África. Embora outros viajantes com quem já houvesse conversado e que estiveram em lugares distantes à sua modesta imaginação, admitirem sua origem no sudeste da Ásia. E que elas têm fornecido alimento e abrigo aos egípcios, babilônios e assírios. E para os mais eloquentes com os assuntos bíblicos, afirmarem que serviu Moisés na sua saga de encontrar a Terra Prometida. E aos seguidores do Islamismo e da fé a Allah, crêem que o profeta Maomé na sua cruzada pelo deserto teve nas tâmaras o seu principal alimento.


Naquela altura de suas explanações e no êxtase e suas lembranças, esbanjou e esnobou de seus conhecimentos, enveredando para o científico mais uma vez, ao dizer que a planta se trata de uma espécie dióica que apresenta flores masculinas e femininas com o nascimento de palmeiras diferentes. Assim, só as fêmeas produzem frutos, polemizados pelo pólem fornecido pelos machos.

Continuou seu relato já em estado de exaltação pelo prazer de poder contar suas experiências para uma turma tão especial, dizendo: - "Segundo algumas informações que me chegaram pelos comerciantes brasileiros e de um livro que mantenho entre os meus guardados, traduzido para o idioma árabe, pela Universidade de Ciências Naturais do Cairo, conta a história da palmeira no Brasil. Diz que a tamareira foi introduzida no País há muitos anos, porém poucos foram os estudos sistemáticos realizados com a cultura. O primeiro registro de sua introdução data de 1928 quando algumas fontes reprodutivas chegaram a São Paulo e que alguns estudos foram realizados na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz onde foram originadas algumas variedades". Rapidamente tomou nas mãos o texto e comprovou o seu relato.


Depois de uma breve pausa, com o objetivo de dar uma boa respirada e verificar se os seus fieis ouvintes tinham alguma dúvida ou se estavam entendendo cada detalhe, de repente começou a sorrir, causando a curiosidade de todos. Misturando palavras desconexas com o seu riso, passou a contar a história de um laociano de nome Sansunnang Vaiollang, vindo da região de Luang Prabang no Laos, justamente o local considerado pela UNESCO como Patrimônio Cultural da Humanidade.

De posse de uma foto mostrando várias tamareiras de sua terra. Ele olhou para as nossas plantas aqui e ria sem explicação. Depois de muito tempo foi que percebi que o motivo e tanta graça, era que as tamareiras da sua região eram anãs. Ele brincou com a situação dizendo-me que as deles eram muito jovens e que um dia seriam tão grandes quanto as nossas. Então começou a me contar, como se fosse realmente um grande entendido no assunto, dizendo agora com aparência demonstrando seriedade e exatidão, que a tamareira anã - Phoenix Rebelenni O'Brien - é uma pequena palmeira originária da sua região na Ásia, largamente cultivada, como planta ornamental nos trópicos e nas regiões subtropicais e temperadas. Possui estipe de dois a quatro metros de altura e com cerca de dez centímetros de diâmetro. As plantas femininas ocorrem geralmente agrupadas em grandes touceiras. Seus frutos alongados, com aproximadamente um centímetro e meio de comprimento, são numerosos, de coloração variando de vinho a preto quando maduros. Terminou sua exposição demonstrando uma pessoa além do senso de humor à flor da pele, um grande caráter.

Além das lendas e histórias de conteúdos mágicos o atencioso beduíno, contou aos curiosos que a tamareira é considerada árvore sagrada e mágica há milhares de anos. No Egito era uma espécie sagrada e a folha símbolo do deus Heh, que representa a eternidade. Mais tarde, passou a ser símbolo de fecundidade, fertilidade e vitória. As tâmaras também são usadas como doces ou quitutes afrodisíacos. Os egípcios as comem antes de fazer amor. E ainda tem como lenda a relacionada ao desterro da Virgem Santíssima no Egito, onde Maria procurou abrigo e descanso sob a sombra de uma tamareira, à qual se inclinou para que as tâmaras ficassem ao alcance de suas mãos.


Aquele smples e atencioso homem do deserto parecia em estado de graça na manifestação de seus conhecimentos, quando disse que Paleontólogos também deram a sua contribuição na rica história das tâmaras. Segundo esses pesquisadores incansáveis uma semente com cerca de dois mil anos foi encontrada nas escavações em 1963, no deserto da Judéia sendo plantada por cientistas israelenses e germinou segundo artigo publicado na revista especializada Science. A região é a mesma da antiga fortaleza do rei Herodes, em Masada, perto do Mar Morto. Na ocasião, os cientistas encontraram um grupo de sementes, que mantiveram em uma sala em temperatura ambiente com a intenção de estudá-las mais a fundo. O lugar era famoso por suas tâmaras com propriedades medicinais, também era o principal produto de exportação da região hoje ocupada por Israel.


Deu uma parada na sua fala, verificou atentamente a todos, depois olhou para o alto e notou quão tinha passado o tempo. O sol já estava no auge de seu posicionamento no céu, foi quando teve a noção de que a conversa que seria para poucos minutos, já se passara pelo menos um quarto do dia. Embora os mestres e estudantes estivessem satisfeitos e impressionados com os requintes dos esclarecimentos, fez questão de encerrar sua conversa com algo lúdico, ao contar que Ali Babá e os Quarenta Ladrões também se beneficiaram tanto da doçura do fruto quanto do repouso de sua sombra, nas imediações da caverna encantada de Sésamo.


Agora sob os encantos de Mil e Uma Noites de imagens e conteúdo, e de ter falado para uma turma de elevados padrões culturais, aquele seria o momento ideal de colocar-se a caminho de sua jornada. Não sabia quanto tempo duraria, mas tudo bem, já havia descansado por sete sois e sete luas no pastoreio de suas cabras. Assim o dever o aconselhava cumprir sua missão e seguir adiante.

Este relato bem que poderia ter sido apresentado por um dos alunos presentes naquele dia impar de memorável aprendizado, e servido de subsídios para seu trabalho escolar na Universidade sobre vegetais do árido e semi-árido. Entretanto, se algum dia encontrar um beduíno com estas características procure-se aproximar dele, se não for, não maldiga falta de sorte, todos eles têm uma história linda pra contar e verá que existe doçura no olhar e nas atitudes dos pacíficos de alma; bondade cultural da sua raça e no mel da tâmara.

Ilustrações: Artista Plástica, Neli Vieira

Fonte da pesquisa: Internet.

sábado, 19 de setembro de 2009

O Jardim que cantava - Última parte.

Na primeira parte conta-se a história do jardineiro Manoel, que após terminar de ler o livro sobre lendas, o motivou a criar sua própria lenda. O livro também narra a tragetória insatisfeita de um barqueiro em busca do seu futuro e do encontro casual com um enigmático velho cego, que lhe adverte para as surpresas que a vida pode reservar.



Sentindo-se preparado e disponível para seus intuitos, procurou as bordadeiras, expôs seu desejo de transformar aquela área ora abandonada em um belo jardim. Após as considerações, encontrou logo de imediato o apoio entusiasmado das humildes mulheres. Sua atitude iria melhorar sobremaneira o visual da sua casa, além é claro, de trazer um novo clima de bem-estar, um novo alento não só para elas próprias, mas de toda a comuniade, que carecia ver aquele desprezível ambiente transformado, quem sabe até habitado por um belo conto de fadas, ou o nascimento de uma nova lenda como era o sonho pessoal de Manoel.

Estava evidente que o livro que acabara de ler causou-lhe estímulo suficiente para a inciativa. Por outro lado, Manoel possuía um espírito tão evoluído que era notória sua atitude de criar o jardim dos seus sonhos. Vidas distintas também iriam manifestar suas tendências através da sua ação. Os pássaros encontrariam outro lugar para cantar e encantar, e as borboletas o seu paraíso de cores e perfumes.

Antes de iniciar os seus preparativos, idealizou a necessidade de constar no projeto algumas plantas aromáticas indispensáveis, que se encarregariam da defesa natural, evitando o ataque de formigas e/ou outros insetos nocivos. Para esta estratégia não pretendia abrir mão do alecrim, camomila, capuchinho, erva-doce, hortelã, manjericão, sálvia, calêndula e gergelim; plantas ornamentais, como: amor-perfeito, petúnias, antúrios, verbenas, bromélias, palmeiras anãs, gerânios, cravos, rosas, jasmins, grama esmeralda, entre outras.

Desde o primeiro momento em que Manoel iniciou suas pretensões de revitalizar a área e criar o jardim, começou a estabelecer um vínculo de entendimento com as sementes e mudinhas escolhidas com esmero, transmitindo a elas status de estrelas, de importância, de serem únicas em beleza; dizia de suas singularidades, de suas personalidades nobres e prestígios. Também iriam representar com rara beleza e simpatia o que existia de melhor em espécie, além de estarem ajudando a construir um paraíso de amor, envolvente e iluminado pela luz do Criador. Seu tratamento chegava a ser de uma amizade paternal. Quando plantava uma sementinha, dizia àquela pequena vidinha ainda por transmutação a importância da vida.

- Querida sementinha, você agora não passa de um embriãozinho de esperança, logo estará crescida, transformada e bonita, porém não perca sua simplicidade, sabendo que sozinha não passaria de um grãozinho quase sem importância, igual a muitos raminhos esquecidos em algum lugar distante do olhar admirado das pessoas, dos animais. Seria bom jamais esquecer deste detalhe, orgulhando-se de ser escolhida para dar alegria e não para se envaidecer caprichosamente achando-se melhor que as demais.

Para as mudinhas dizia: - Oi mudinha, hoje você não passa de um pedacinho de vida, mas logo será grande e exemplo de beleza e admiração. Seu jeitinho nobre encantará a todos. Seja responsável na sua missão de embelezar e perfumar o ar que todos nós tanto precisamos. Seja querida não apenas pelas suas cores e o formato de suas flores, mas por transmitir nos seus dias de existência, felicidade e agradecimento pelas suas características exclusivas.

Com os pássaros não era diferente. Sempre que apareciam Manoel fazia questão de conversar com cada um, mesmo sem um aparente retorno, agradecia a visita, pedindo-lhes que não se afastassem, dando alegria com os seus cantos sublimes, e se possível convidar outros como eles a estarem presentes, dando às pessoas motivações de altivas mensagens, através do seu trinar, com melodias saborosas.

Quando a primeira borboleta apareceu, exibindo suas cores vibrantes, deu-lhe o nome de princesinha. Sentiu de imediato que aquela frágil criatura, ficara contente com o nome. Acompanhava-o a todos os lugares do jardim. Na medida do possível, pousava no seu ombro amigo, ou num outro lugar bem próximo dele. Fazia questão de movimentar suas asas, abrindo e fechando para que ele pudesse contemplar sua beleza única. Definindo bem no centro de suas pétalas de membranas aladas, o desenho que se assemelhava a um olho, representando o olhar atendo do Pai do céu, acompanhando bem de perto aquele momento indescritível. A tansformação do lugar que seria em pouco tempo o paraíso dos sonhos.

Outro fato notável foi o aparecimento da Fada Encantada da Jardinagem, acompanhada de suas seguidoras assistentes. Fulgurantes luzes semelhantes a flashes estrelados, movimentavam-se de um lugar a outro, feito raios riscando o espaço, como se estivessem inspecionando sua criação. Tal acontecimento supria-lhe de toda energia necessária, bondade e sabedoria suficientes para entender a importância e a empatia de cada espécie sem exceção.

Com as formiguinhas ele pedia apoio no sentido de conservar suas plantinhas sem nenhum prejuízo para suas belezas, conservando-as perfeitinhas, não as destuindo. Elas iriam dar muita alegria a todos que as vissem floridas e belas. Transferindo às pequeninas cortadoras de pinças afiadas, a responsabilidade de ajudar a manter o encanto do lugar que seria mágico e de inspiração triunfante. Com esses diálogos cordiais, Manoel conseguiu estabelecer uma irmandade de cumplicidade com todos os habitantes do jardim encantado; com sua lenda em construção, lenda que logo também seria exemplo de fé para um futuro melhor.

Em pouco tempo já havia concluído o seu espaço florido, sua obra-prima, uma realidade indiscutível que não demorou a se confirmar. Todos os dias impreterivelmente reservavam as manhãs e as tardinhas para os cuidados necessários da sua criação, seja para aguagem, como para as limpezas e podas imprescindíveis. Havia adquirido o dom de conversar com as plantas, aves e insetos, em diálogos longos, proveitosos e permanentes, capazes de esclarecer as particularidades de cada espécie. Quando chegava era recebido com elevada manifestação de carinho. Os pássaros irradiavam com suas virtuosas presenças, melodias alegres cantadas em verdadeira sinfonia poética; plantas e flores no mesmo ritmo formavam um coral de boas-vindas. Até as pessoas que não podiam ver, ou perceber o encanto, sentiam intimamente aquela harmoniosa presença do sobrenatural, comum da alegria incontida.

Tornou-se aos poucos, hábito indispensável das pessoas passarem pelo magnífico jardim criado por Manoel e presenteado com gestos de alta nobreza àquelas mulheres solitárias, criativas e talentosas na sua arte de bordar. Quem dali se aproximava, livrava dos mais enraizados problemas; os adoentados, enfermos e desenganados vislumbravam esperança. Havia até quem dizia se sentir curado dado ao alto grau sensitivo de envolvimento. A notícia dos feitos e situações consideradas impossíveis e que encontravam soluções e respostas positivas, foi se espalhando com tamanha velocidade, que não tardou a se tornar visita obrigatória, e até romaria para quem buscava a cura de suas doenças consideradas incuráveis, ou mesmo do conforto espiritual em busca da felicidade almejada, de certa forma privada para os mais incrédulos. Contudo, ao passar pelo jardim percebiam o sorriso contagiente da vida plena. Da manifestação divina, vindo da fé e da indiscutível presença de bem-estar causada pelo encanto energético das flores coloridas, da beleza e do canto estraordinário das aves. Era o jardim que cantava. O jardim que floria na alma das pessoas.

Manoel maravilhado com sua criação, concluiu espontaneamente que não basta ter apenas um jardim com plantas diferenciadas. É preciso que esse jardim esteja dentro de si, dentro de cada um. Sentir além do perfume das flores, o seu sorriso de felicidade. Compreender que os pássaros não vão a determinado lugar por um mero acaso, ou pelo descanso após longos voos, mas pelo prazer, pela receptividade; as borboletas e as abelhas também não procuram os jardins pelo seu colorido, mas pela sua doce simpatia envolvente, produzida até mesmo pela mais simples plantinha imperceptível, desde que esteja irradiando harmonia, felicidade e que sua beleza não se traduza em uma negativa futilidade, mas, na essência superior do Criador, no seu momento de resplendor criativo. Onde até mesmo as formigas e outros insetos nocivos pedem licença para contemplar sua magnífica magia. Todo jardim feito e cuidado com carinho tem as bênçãos da Fada Encantada da Jardinagem, que tudo faz para imperar na vida dos seres, o amor ao próximo de maneira espontânea e atitude de caráter superlativo.

Fotos: Internet, Google Image

terça-feira, 15 de setembro de 2009

O Jardim que cantava

No universo da humanidade, existem pessoas e pessoas, algumas impares por natureza. Manoel fazia parte deste diferencial. Apaixonado pela sua profissão de jardineiro, pelas plantas e tudo que dela se associa, também era curioso, estudioso e fissurado por lendas de enlevo. Seu sonho era um dia ter sua própria história, ser lenda por onde passasse e por ventura ou aventura em outros horizontes, em outros lugares. Com a simplicidade que lhe era sinônimo e a determinação de uma pessoa que vivia cada segundo de sua vida, aliada a uma personalidade brilhante e perseverante, fizeram-no começar a construir seu próprio legado.

Morava em uma pequena cidade, contudo, não se tratava de um lugar ermo, sem importância. A população, como ele, admirava o encanto de um jardim bem cuidado. Difícil encontrar uma casa que não tivesse uma área florida, com todos os requintes de beleza.

Certo dia depois de fazer seu percurso habitual, pois era o único caminho que o conduzia à sua morada, ao passar por uma casa a muito observada, embora modesta, tinha algo que considerava fundamental: área disponível para se construir um belo jardim. Suas moradoras, uma senhora com aproximadamente 50 anos, sua filha que se imaginava 30, imprecisos, lutavam com dificuldades pela sobrevivência. Dependiam único e exclusivamente de uma pensão deixada pelo marido falecido há algum tempo, e, casualmente dos trabalhos que ambas desenvolviam com bordados. Era inegável a qualidade e o primor das peças por elas trabalhadas.

Com os parcos recursos financeiros a que tinham direito por questões óbvias da morte do representante masculino da casa, tornava-se difícil o exercício daquilo que elas mais gostavam de fazer, bordar. Faltavam-lhes tecidos, linhas e o apoio de alguém que se interessasse em ajudá-las.

Um dia Manoel depois de ter passado quase à noite toda lendo um livro que acabara de adquirir, ficou impressionado com sua leitura que contava a história de um homem que estava cansado do que fazia. Era um barqueiro que transportava pessoas de uma margem a outra de um rio. Esta sua atividade já vinha desde a infância, quando substituiu o pai que na época se encontrava velho e doente. Não sabia fazer outra coisa, até que ao transportar um senhor atingido pela fatalidade da falta de visão, se admirou com a simpatia do velho cego; seus modos, maneira de vestir e o seu sutil comportamento enigmático. Na história o barqueiro somente no final do percurso que fazia a travessia, teve coragem suficiente de perguntar-lhe o nome.

Descreve o livro: "...Silencioso e de aparência compenetrada, podia-se notar que estava atento a tudo que acontecia à sua volta. Ao ser questionado pelo nome, o barqueiro recebeu educadamente a resposta: - "Me chamo Felicidade, mas pode me chamar de Sorriso, como as poucas pessoas que me conhecem me chamam". Ao obter a informação, o barqueiro imaginou logo tratar-se de uma brincadeira nada convencional. Pensou de imediato: - "Isto é pra eu permanecer calado e só responder ao que me perguntam, e deixar a vida de cada um por sua conta..." A cada informação Manoel permitia-lhe invadir os seus conceitos de pessoa atenciosa e sentir-se totalmente envolvido com a leitura, parecia que havia incorporado o personagem barqueiro, e estava vivendo a história como se fosse dele mesmo.

Segue o texto: - pensou o barqueiro: - "Só queria saber o seu nome e depois declarar minha admiração pela sua coragem de transitar sem temores nas suas condições. Isto é feio? É bisbilhotice?" Continuou sua atividade sempre se questionando em busca de respostas". Manoel compenetrado vivia momentos de êxtases, alimentando pensamentos paralelos, na mesma intensidade do personagem. Continua a narrativa do livro. "...Até que um outro dia o mesmo senhor pegou o seu barco de volta. Vendo-o com a mesma elegância, as mesmas roupas limpinhas e bem engomadas, sapatos lustrados e a bengala com alça em couro trabalhado, cresceu ainda mais sua admiração por aquele bem aparentado e curioso velho, nem por isto se atreveu fazer qualquer comentário...".

Nessa noite Manoel não conseguiu ler toda a história, embora ficasse impressionado e ansioso pelo desfecho. Estava cansado, precisava dormir, pois, o dia seguinte seria de muito trabalho e ele necessitaria de disposição. Muita disposição! Mesmo trabalhando com toda atenção dispensada ao que fazia, não conseguia desvencilhar seu pensamento da história que o levava a meditar sobre cada detalhe do que havia lido. - "Por que será que o velho deu aquele nome de forma incompreensiva, sem sentidos, se o barqueiro só queria ser simpático?" - Pensou. Assim transcorreu todo o dia sem uma conclusão satisfatória. Entretanto, ao chegar em casa iria sem dúvida descobrir.

Novamente no retorno pra casa, ao passar pela residência das mulheres bordadeiras, seu pensamento vagou pelo desejo de transformar aquele espaço abandonado, habitado pelo mato, quem sabe até por animais peçonhentos e perigosos, em um lindo jardim com sua magia particular. Povoado por borboletas, abelhas, pássaros e o olhar admirado das pessoas que por ali passassem.

Quando terminou sua leitura descobriu que realmente o velho se chamava Felicidade. Também eram justo que os poucos que o conheciam, como ele mesmo disse chamá-lo de Sorriso. Havia um motivo encubado em torno do seu nome. Acontece que mesmo não podendo enxergar. Ver a natureza com suas nuances e belezas exuberantes; não poder olhar nos olhos das pessoas como a maioria, ainda assim, trazia no coração um sentido especial. Podia enxergar a alma de quem dele se aproximasse. E naquele momento em que o barqueiro havia lhe perguntado o seu nome, pode perceber o desejo do condutor do barco de conhecer novas oportunidades, novas conquistas.

Manoel entendeu que o velho percebendo que o barqueiro fazia com respeito, naturalidade e bem-feito sua obrigação, no retorno sem que fosse solicitado, respondendo suas indagações pessoais captadas pela sensibilidade telepática, aconselhou-o a continuar tansportando pessoas, porque além de transportar vidas, estava conduzindo muitas vezes indivíduos em busca do seu próprio destino. Para alguns estavam reservadas grandes realizações, entretanto, para outros por circunstâncias que envolviam o livre arbítrio podiam eventualmente se envolver com momentos trágicos. E ele ali nas suas idas e vindas dava esperança a quem buscava o incompreensivo, fugindo do obscuro limiar da insatisfação, do desconhecido e da falta de perspectivas.

O interessado jardineiro atento a alguns detalhes, se surpreendeu mais uma vez com alguns dados considerados de grande importância, no conceito inteligente de ver o sentido da vida, defendido pelo nobre senhor cego, e, anotou alguns exemplos relevantes:

- "A abelha ferroa não porque é hostil, mas para proteger sua colméia, dando sua vida pelo que acredita. Visto que, no ato de picar suas vítimas, não conseguindo retirar o seu ferrão intacto, perde parte do seu intestino, causando-lhe morte certa. Depois não faz isto somente por prazer, vingança ou em benefício próprio, mas de toda comunidade melífera da qual faz parte e estar pronta para defender. Tem consciência do sabor cobiçado do seu favo doce, e da dificuldade de produzí-lo. Tendo que trabalhar em voos contínuos e distantes, em busca do néctar só encontrado em maior quantidade na época das floradas, nos campos, pomares e jardins, para a produção do alimento de cada dia, inclusive da geléia real indispensável para a alimentação da sua soberana, a rainha, responsável pela reprodução e produção dos ovos que darão a continuidade e a esperada preservação da espécie."

Continua o velho cego nas suas explicações, através do livro: - "Semelhante é a roseira. Ela tem espinhos, não porque seja ofensiva, mas para também se defender. Mesmo assim todos a admiram, pela beleza de suas rosas, e pela sua fantástica capacidade de hipnotizar corações apaixonados nas mais diferentes situações. É plantada em terreno fofo, depois é adicionado o esterco proveniente do excremento e origem animal, para que cresça vistosa e sadia. Nem por isto é mal cheirosa, pelo contrário, suas rosas são lindas, em cores variadas e perfumadas."

Outro exemplo: - "O arco-íris é o efeito de partículas muito pequenas, quase invisíveis de água sob a forma de spray, ou pulverizadas pela chuva ou grandes cascatas de águas que caem. Em contato com os reflexos dos raios do sol, causam todo o esplendor de cores diferentes, sem a pretensão de combinações. Em forma de arco, para muitos saudosistas com as estorinhas fantasiosas dos tempos dos avós, em cada uma de suas extremidades, um fabuloso tesouro está esperando por um merecedor".

- "A lagarta com sua aparência considerada por muitos repugnante, se arrasta com dificuldade nos locais mais adversos se protegendo de predadores, ou mesmo, para evitar ser pisoteada pelos indivíduos maiores. Passa a maior parte dos seus dias, procurando alimento de galho em galho. Como recompensa, se penaliza por um tempo dentro de uma crisálida minúscula, fechada e sufocante, antes de se tornar uma belíssima borboleta capaz de voar livremente nas alturas, mostrando sua simpatia e encanto. Pousar em lindas flores perfumadas, pelos campos, jardins ou na arte da tela de uma pintura feita pelas mãos cuidadosas de um talentoso pintor".

Assim que teminou a leitura, instintivamente deixou transparecer um largo sorriso. Quando se viu sorrindo compreendeu o real sentido do nome do velho cego. Refletiu algum tempo às mensagens e decidiu, assim que terminasse o trabalho em andamento, iria construir o jardim que considerava como sendo sua missão. Falaria com as mulheres, convencê-las-ia e colocaria em prática sua proposta pessoal. A partir daquele momento, seria o barqueiro sob a forma de jardineiro. Com um detalhe expressivo a acrescentar: sabia o que queria na sua vida, tinha prazer pelo que fazia, além, de se sentir responsável pela alegria no olhar dos amantes do belo e despertar nas pessoas, transformações grandiosas de preservação da natureza e sua origem.

Por enquanto vamos interromper por aqui, promentendo para ainda nesta semana, publicar a última parte do conto. Grandes revelações estarão por vir. Vale a pena conferir.
Fotos: Internet Google Image

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Vasculhando a estante Nº 03


Um chá com sabor de pimenta

Viúva de Jorge Amado deve suceder a ele como imortal. Mas nem todo mundo gosta a ideia
Texto: Flávia Varella
Extraído da revista Veja de 29 de agosto de 2001, págs. 143/144
Fotos: Internet


Desde a introdução do suflê de goiabada diet no cardápio de seu chá das quintas-feiras, os imortais da Academia Brasileira de Letras não se empolgavam tanto na discussão de um assunto. A questão é: quem vai suceder a Jorge Amado, morto no começo do mês? (agosto/2001) A cadeira vaga, a de número 23, é uma das mais nobres da instituição. Não houvesse ela sido ocupada até agora pelo popularíssimo e renomado Jorge, ainda seria preciso levar em conta outros antecedentes: seu patrono é José de Alencar e o primeiro ocupante foi ninguém menos que Machado de Assis, o maior escritor brasileiro. No fundo de cada coração imortal, calava o desejo de assentar ali uma figura de peso da literatura contemporânea. Fernando Sabino, Rubem Fonseca, Dalton Trevisan e Moacyr Scliar eram alguns dos autores sonhados. Os candidatos que se apresentaram, no entanto, são de estirpe bem diferente. Primeiro veio Paulo Coelho, o ex-mago que resolveu aspirar à respeitabilidade literária. Em seguida, o apresentador Jô Soares anunciou suas pretensões na televisão, durante um diálogo constrangedor com a imortal Nélida Piñon. Tendo os dois desistido da ideia, quem se apresentou em seguida foi Zélia Gattai. Uma candidatura inatacável, à primeira vista. Ela foi a companheira inseparável de Jorge Amado e, caso seja eleita, será a primeira viúva a suceder ao marido. Durante alguns dias, tudo pareceu estar resolvido. Até que o jornalista Joel Silveira, de 82 anos, lançou-se às armas. "Zélia não quer ser eleita, quer ser aclamada", fuzila Silveira. "Sua arrogância, como se tivesse herdado a cadeira por direito divino, iritou-me tanto que me tornei candidato." Além da goiabada diet, o chá das quintas ganhou uma boa pimenta.


Ex-correspondente de guerra e autor de 38 livros, entre os quais o volume de memórias Na Fogueira (1998). Silveira não está sozinho em sua candidatura. "Isto aqui não é capitania hereditária nem condomínio de viúvas", esbreveja Lêdo Ivo um dos poucos acadêmicos que revelam abertamente sua opinião. O que incomoda os simpatizantes de Silveira é o ar de chantagem emocional da candidatura Zélia. Votar nela teria se tornado mais do que uma escolha, uma maneira de homenagear Jorge Amado. Não votar nela seria uma espécie de ofensa. "Acho até que ela vai ganhar, mas será nesse clima de tributo ao marido", diz Carlos Heitor Cony, que se declara eleitor da escritora. Outra eleitora de Zélia que preferiria vê-la concorrer em ocasião menos delicada é a ex-presidente da Academia Nélida Piñon. "Se ela vencer, vai ficar parecendo que não é por mérito, mas por sucessão", lamenta Nélida.



A própria Zélia já identificou o problema. Na primeira entrevista que deu como candidata, tratou logo de afirmar que só se sentiria confortável se fosse escolhida como base em sua trajetória de escritora. Essa trajetória diga-se de passagem, não é nem muito melhor nem muito pior do que a de boa parte dos imortais - entre eles lembremos, há personagens como Ivo Pitanguy, que como escritor é um ótimo cirurgião plástico, ou o ilustre desconhecido Tarcísio Padilha. Zélia é autora de doze livros publicados e mais um escrito, pronto para edição. Sua obra mais conhecida é Anarquistas Graças a Deus, transformado em minissérie pela Rede Globo no começo dos anos 80. Recentemente, ela voltou a frequentar as listas de mais vendidos com outro volume de memórias. Città di Roma. Sem ir tão longe quanto Joel Silveira, que qualificou a autora de "subliteratura de terceira categoria", pode-se dizer com tranquilidade que a literatura de Zélia é simpática - e nada mais.



No final da semana passada (que antecede a 29 de agosto de 2001), uma enquete entre os imortais dava a Joel Silveira cerca de 10 votos, num total de 39. Ao mesmo tempo, corria a notícia de que o ex-ministro da Educação Eduardo Portella, patrono da candidatura de Zélia, controlava o voto da metade de seus confrades. "Cada um é dono de sua cédula", desconversava ele. "Isto aqui é uma casa de vedetes." Mas, seja qual for o resultado do pleito, quem se importa de verdade, além dos imortais e daqueles que cobiçam uma cadeira na vetusta instituição? Há muito tempo a Academia Brasileira de Letras não produz nada de relevância cultural. Gera no máximo algumas fofocas curiosas, como a atual. E mesmo assim só de vez em quando.


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A dama ressurge

Sucesso da minissérie A Muralha traz à tona a autora Dinah Silveira de Queiroz

Extraído da revista Veja de 9 de fevereiro de 2000, pág. 130
Fotos: Internet

Livros que são adaptados para a televisão vão parar, quase infalivelmente, nas listas dos mais vendidos. É esse o caso de A Muralha, de Dinah Silveira de Queiroz. O acontecimento merece ser saudado nem tanto por causa da obra, um tanto datada em seu estilo rebuscado, mas por trazer à tona a autora, uma figura curiosa da cultura brasileira no século XX. Nos anos 40 e 50, a escritora paulista chegou a ser uma das mais vendidas do Brasil, ao lado dos hoje consagrados Jorge Amado e Érico Veríssimo. Seu livro de estréia, Floradas na Serra, publicado em 1939, quando a escritora tinha apenas 29 anos, foi um best-seller instantâneo, que teve diversas edições esgotadas posteriormente e virou filme. A Muralha publicada originalmente em capítulos pela revista O Cruzeiro, em 1954, e depois em livro, repetiu o sucesso editorial de suas obras anteriores. Antes de virar minissérie da Globo, ganhou várias versões para o rádio e, no final dos anos 60, virou novela de TV, numa adaptação assinada por Ivani Ribeiro e estrelada por Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg. É fácil entender por que os livros de Dinah vão parar com tanta facilidade nas telas, no rádio e na televisão. Seus enredos são repletos de movimento, e há várias sugestões sexuais, embora a escritora mantenha o decoro na liguagem.

Dinah não era uma mocinha ingênua e indecisa como suas heroínas. Segundo o acadêmico Antonio Olinto, amigo da escritora, ela era uma mulher refinada, "com ares de dama paulista", e fazia grande sucesso em sociedade. Um ponto de destaque da biografia de Dinah é que ela foi a primeira mulher a pleitear uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Sua inscrição, em 1970, foi rechaçada pelo presidente da entidade na época. Austregésilo de Athayde, com base no regimento da ABL. Tal fato provocou uma polêmica nacional que levou a uma mudança no regulamento da casa. A primeira a se beneficiar da mudança foi Rachel de Queiroz, parente distante de Dinah, eleita para a academia em 1977. Só em 1980 a autora de A Muralha ganharia uma cadeira, mas teve pouco tempo para saborear a glória. Morreu em 1982, de câncer.

domingo, 6 de setembro de 2009

Na trilha do lirismo


Continuando com as publicações dos poemas da poeta e desenhista Neli Vieira

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Conta-nos a história da vida, que entre o bem e o mal, o coração deixa fluir o de mais belo na essência da paixão e na alegria sem limites. Onde a felicidade pode ser encontrada no sabor do mel que a natureza humana mesmo produz quando experimenta o sorriso estampado no espelho da alma. Quando isto acontece, o melhor que se faz é bailar ao som dos violinos da esperança; acompanhados pelas flautas do amor; compondo com a harpa da conquista; a batida na percussão do coração em correntes pelas veias o sangue da existência, e o piano da conquista, dedilhado pelas mãos sábias do maestro dos sonhos, tocando a eloquente canção da vitória. Embalados pela harmonia de passos firmes, embora flutuando no compasso da liberdade. Esta é a dança que a vida reserva no salão da ternura, decorado pelo glacê da simplicidade.



A voz que dança


Quero um corpo

para dançar

celebrar a vida

rodopiar

sentir a música

ver Deus

dentro de Deus

fazendo amor


Quero um rito

um transe

um êxtase

para fluir, libertar

a mulher, a Lilith

este arquipélago

de essências

e ópio

dar um salto

além do agora

com fúria, belezas e risos

assim

nascer e morrer

tal qual

uma flecha de luz



Quero um corpo

para dançar, dançar

rodopiar

enroscar-me

ser serpente

derramar-me

feito - chuva

nas bocas

nos corpos

ao som dos tambores.



Quero um sonho

um beijo louco

na boca de Deus

que chega com fúria

rodopia e dança comigo

nas nuvens

um príncipe do céu

viajante alado

com asas

de gigante albatroz.



Quero uma dança eterna

muitas vozes

e vida envolta

numa reblina azul

onde raios de sol

brinquem

o tempo todo.



(Poema publicado conforme original)

Poema publicado no Jornal A Voz de Mauá, no dia 22 de agosto de 2008.


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Nota-se com naturalidade, cada momento do ser humano de não se satisfazer com a mesmice de que esteja se submetendo. Ainda que a paciência tente enganar, a realidade faz rebelar a ânsia recessária de mudança, onde basta um pingo de dúvida para fazer transbordar o limite do represamento da angústia. Chuta-se o balde da intolerância e da falta de perspectiva, e eleva o fulgurante desejo do crescimento interior; dando um basta na amargura, quebrando o elo da tristeza, livrando-se da corrente que aprisiona a alegria contagiante, fazendo correr pelas veredas da estepe verdejante, florida e ensolarada o sorriso do triunfo.






Revolta


As palavras

gritam em minha mente.

O suor

corre pelo rosto

com pressa

de tocar o chão.



Por Deus!

Calem as palavras

apaguem a lua

fechem a noite

quero dormir.



Noto o descontentamento

da primavera.

Hoje, chover

é um mau hábito.

O sol a terra o tempo

estão doentes.



Calem as letras!



Impeçam o nascer do dia

as novas guerras

vêm de velhas discórdias.

Não posso sorrir

enquanto meninos inocentes

dormem em camas de lama

e vestem sangue.

Enquanto homens falam

sem nada dizer.

Tentando me fazer crer

que são pontos do destino

viver - matar - morrer.



Cretinos! Dementes!

Por favor!

Calem as palavras



Quero voltar

Para antes do ventre.



Poema publicado no Jornal A Voz de Mauá, no dia 22 de setembro de 2008

Diretor: Fausto Piedade

Impressão: Rua Muniz de Souza, 219/223 - São Paulo-SP

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Na trilha do lirismo


Nesta semana Bússola Literária, estará publicando o talentoso trabalho literário da poeta e artista plástica Neli Vieira. São poesias que expressam a alma apaixonante e sensível cristalizadas no universo do pensamento, delineando o puro sentimento e uma pessoa que acredita no lirismo intrínseco no coração do ser humano, como forma de gerar a placidez da vida em seu momento existencial, vagando pelo caminho do descobrimento e suas emoções.


Todos nós às vezes nos deparamos com momentos sombrios, momentos que embora estejamos procurando a felicidade, parece que ela não está se manifestando naquele instante, dando lugar à dúvida e as incertezas. O poema "Estou" parece um exemplo desta situação. Onde somente a luz do querer pode fazer vibrar a luminosidade sonhada.




Estou


Estou sombra

não sou ela.


Estou saudade
lágrima transformada
planta enraizada na água
pássaro na janela

Estou

Estou névoa
não sou ela.

Estou silêncio
total ausência
estrela apagada
noite sem lua
reza sem vela

Estou

Estou garoa
não sou ela.

Estou tristeza
na invenção de um sonho
caminho lento
passos sem dono
chão de cores belas

Estou

Flores
caindo das árvores
a chuva varrendo
os rios engolindo
o mar desfazendo

Estou flor
não sou ela.



(Poema publicado conforme original)

Obra retirada do livro - A profundidade do degrau - publicado no Jornal A Voz de Mauá.
Diretor: Fausto Piedade
Impressão: Rua Muniz de Souza, 219/223 - São Paulo-SP.

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No poema "No Canto" a autora demonstra através da sua arte, estar pronta para dar o seu grito de liberdade e continuar sua trilha em busca do encanto da vida. O que fica claro na sua última estrofe de libertação. É a perfeita ideia que mesmo nos momentos onde tudo parece conspirar com o ideal, ainda existe uma luz, mesmo tênue, mas uma luz que reflete a expectativa do dever conquistado com lutas e sacrifícios, contudo, uma luz que brilha no final do túnel. A luz da esperança!


No canto



Aqui estou
à espera das horas
dos sinais do novo
do tudo assentado
sobre o nada
da presunção de quem ri
da divina dança do por vir

Aqui estou.
Sentada no canto da sala
esperando ver
a leveza dos
ritos selvagens
os pregadores de penitências
e deuses que se envergonham
de serem o que não são.

Aqui
onde encontro meus velhos amigos
anjo-diabo que me carrega consigo
e a bem-aventurada liberdade
que não deixa haver
existência sem tempo futuro
sem sonhos que ainda não vi
sem voo sem flechas sem sol.

Equi estou.
Sentada sobre velhas lembranças
com a presunção de um meio riso na cara
a faixa de poeta no peito
e o eterno desejo de fugir e recompor-me.
Com vontade de bem e mal na bagagem
arrastando passos na alma - passos de uma dança
que não sai - talvez nem exista
e fica - fica sempre para depois.

Aqui estou.
Sentada no canto da sala
sem ser grande nem pequena
nem louca ou talvez seja
(posso debater a respeito)
porém não sei falta algo
talvez tempo. Não sei!
aqui parada calada
em paz apenas sem pressa de voar
brincando montando desmontando
este eterno jogo
de sair e voltar.


(Poema publicado conforme original.)
Poema publicado no Jornal A Voz de Mauá no dia 11 de julho de 2008